ANÁLISE FSP | Teatro virtual pode sair mais barato, mas pena para conquistar o público

Formato que floresceu durante pandemia enfrenta problemas inéditos nas artes cênicas

por Clara Balbi

Quanto custa montar um espetáculo de teatro virtual? À primeira vista, pode parecer que quase nada.

Muitas das peças são encenadas nas casas dos atores, que se desdobram nas funções de operadores de câmera e de luz. Os cenários são fabricados a partir de objetos domésticos, ou substituídos por planos de fundo virtuais. E o resultado é quase sempre transmitido por meio de plataformas gratuitas ou bastante acessíveis, como o Zoom.

É verdade que, se comparadas ao que conhecíamos como teatro antes da pandemia, essas produções têm orçamentos bem mais modestos.

Mas não só estão longe de ser de graça, como enfrentam problemas inéditos, em especial para atingir o público.

Produtor de “Para Duas”, que esteve em cartaz nas redes sociais, e de outras duas montagens em desenvolvimento, Ricardo Grasson traduz essas diferenças em números.

Segundo ele, peças virtuais custam em média R$ 20 mil. Já as presenciais têm orçamentos que ficam entre R$ 80 mil, caso de um monólogo, por exemplo, e R$ 300 mil, uma montagem simples com quatro ou cinco atores –ou seja, custam de quatro a 15 vezes o valor das que são transmitidas em plataformas online.

As maiores despesas desses espetáculos virtuais têm a ver com equipamentos e funções importadas do audiovisual.

Companhias que decidiram mergulhar nesse ambiente online passaram a ter de se preocupar com itens como câmeras, refletores de luz e aparelhos para edição ao vivo. Algumas ainda precisaram incorporar novos profissionais às suas equipes, como diretores de fotografia, montadores e até designers gráficos.

Vale notar ainda que, seis meses depois do início da pandemia do novo coronavírus, hoje existe uma gama de formatos de peças virtuais, alguns mais caros do que outros. Transmitir espetáculos do palco, por exemplo, é descrito por produtores como uma tarefa especialmente complexa, já que depende de várias câmeras para acompanhar a ação e, em alguns casos, envolve até mesmo ter de contratar um pacote de internet para o teatro.

Outros modelos podem sair bem mais em conta. Flávia Garrafa conta que produziu um dos três espetáculos virtuais infantojuvenis que encenou em agosto por menos de R$ 100, usando figurinos e cenários. “Tudo o Que Coube Numa VHS”, do grupo pernambucano Magiluth, nem desses adereços precisou –a sua narrativa se baseia em extratos de vídeo e de áudio enviados ao público por WhatsApp, Instagram e email.

O maior desafio que os profissionais da área enfrentam não é, por assim dizer, só pôr essas peças de pé –embora valha ressaltar que a captação de patrocínios por meio de leis de incentivo para esse formato ainda gere dúvidas entre os produtores, e eles se queixam de que os valores dos editais que surgiram no período são muito baixos. Problema maior é chegar ao público –e fazer a bilheteria render algo.

Flávia Garrafa, por exemplo, conta que estreou com uma plateia razoável, de quase 120 pagantes, mas que foi minguando a cada sessão.

Ela diz suspeitar que isso esteja relacionado ao seu público-alvo, já que, afirma, os pais têm resistido a deixar filhos diante das telas por ainda mais tempo do que o necessário neste período de pandemia. Com o monólogo adulto “Faça Mais Sobre Isso”, sequência de “Fale Mais Sobre Isso”, agora em cartaz, ela pretende tirar a prova.

Os números de duas das peças virtuais mais bem-sucedidas da temporada, “Tudo o que Coube Numa VHS”, do Magiluth, e “A Arte de Encarar o Medo”, dos Satyros, são bem mais impressionantes. O primeiro, encenado para cada participante de forma individual, foi visto por mais de 1.600 pessoas em sete semanas. O segundo fez mais de 15 mil espectadores desde que estreou, no mês de junho.

Mesmo assim, segundo os integrantes das duas trupes de teatro, as suas bilheterias não ultrapassam aquelas de espetáculos anteriores.

Companhia dos Satyros foram mais vistos por pessoas de fora do estado em que esses dois grupos estão baseados do que de dentro deles, em porcentagens de 70% e 80%, nesta ordem.

Mesmo afirmando que essa capacidade de romper barreiras geográficas seja uma das maiores vantagens desse teatro virtual, Giordano Castro, do Magiluth, conta que ele e os companheiros de seu grupo não planejam continuar a investir no formato quando puderem se apresentar presencialmente. “Estamos secos de vontade de estar no palco.”

Eles discutem, no entanto, a possibilidade de retomar essas montagens entre temporadas, já que elas exigem menos investimento e podem ser realizadas de onde quer que os atores estiverem.

Outros profissionais falam em modelos híbridos, em que os teatros, agora devidamente paramentados, transmitirão peças ao mesmo tempo em que elas são encenadas para uma plateia física no local.

André Acioli, programador de três palcos na capital paulista, avalia que o formato não é ideal, já que tanto a iluminação quanto a movimentação dos atores têm de ser pensados ou para atender a câmera ou para atender o espectador.

Ele afirma que o maior benefício do teatro virtual é, no entanto, permitir que toda a classe continue criando.

“Rico ninguém vai ficar”, ele ressalta, “mas é uma maneira de estarmos em movimento”. Em cartaz na pandemia:

“A Arte de Encarar o Medo”
Direção: Rodolfo García Vázquez.
Elenco: Ivam Cabral, Eduardo Chagas, Nicole Puzzi e outros.
Sex. e sáb., às 21h. Dom., às 16. Até 27 de dezembro.
A partir de R$ 20. No Sympla

“Faça Mais Sobre Isso”
Direção: Pedro Garrafa.
Elenco: Flávia Garrafa.
Dom., às 16h. Até 4 de outubro.
De R$ 40 a R$ 60. No Sympla

“Pós F”
Direção: Mika Lins.
Elenco: Maria Ribeiro.
Sáb. e dom., às 20h. Até 4 de outubro.
De R$ 20 a R$ 100. No Teatro Porto Seguro

Fonte: Folha de S.Paulo 

 

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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