Amor

Wilson é meu caseiro aqui em Parelheiros. Baiano, de Salvador, tem 38 anos e uma moto Honda 125 cilindradas, preta. Nos conhecemos já há alguns anos, desde que veio trabalhar para mim.

Faz dois anos, o mês era janeiro, devia ser um sábado e ele chegou em casa muito cedo. Estranhei porque ainda estava dormindo e ele, sempre muito discreto, bateu à porta.

Wilson parecia nervoso, fazendo voltas numa conversa cada vez mais esquisita. Depois de um tempo e, juro, quando já estava ficando preocupado com a falta de objetividade do meu amigo, ele tira do bolso, muito sem graça, um papel dobrado com muito cuidado, me pedindo para decifrá-lo.

Sou filho de pai analfabeto e, naquele momento, já havia entendido tudo. Leio em voz alta:

— Se quiser ficar comigo, me encontre no bar do Côco hoje, depois do serviço.

Olho para o Wilson e ele está sorrindo, feliz. O bilhete não traz assinatura e eu quero saber mais.

Wilson me revela que a autora do escrito se chama Thaynara e é sua sobrinha, filha de Tereza, irmã de sua mulher, que, por coincidência, também trabalha para mim, como diarista.

Já conhecia um pouco da história trágica de Thaynara que, nesta época, tinha 26 anos e era viúva. Acompanhei todo o seu doloroso processo.

Thaynara e o marido trabalhavam juntos; ela, cobradora e ele, motorista de ônibus. Um dia, a fatalidade. Entra um assaltante no coletivo onde labutavam e o salteador aponta uma arma para a moça que, naquele momento, não tem nenhum dinheiro em caixa. O marido, 28 anos, num ímpeto de justiça e para defender a honra da amada, para o ônibus e vai pra cima do delinquente, que lhe desfere alguns tiros.

Então, Wilson me conta que, desde este episódio, ele e Thaynara começaram a trocar uns olhares esquisitos; que todas às vezes que a via chorando, era tomado por um sentimento bastante constrangedor. Também me revela que sua relação com a esposa anda de mal a pior, que há anos não fazem sexo e que são infelizes.

Tempos depois, Wilson volta a me procurar. Quer que eu escreva num papel seu nome e o da Thaynara. Me conta que vai comprar um presente para a amada, na verdade duas alianças, e que gostaria de gravar seus nomes nos anéis.

Me informa, ainda, que o “jeito que escreve” o nome de sua dulcineia é difícil e que eu teria que descobrir isso indo no “ferdibuqui” da Tereza. Demorou um tempo até eu entender que o que ele estava querendo dizer era Facebook.

Foi no Facebook que descobri que Thaynara se escrevia com agá e ípsilon.

De longe, vou acompanhando as confusões na casa da família da Tereza. Sua irmã, mulher do Wilson, não aceita a separação, faz um escândalo danado. A própria Tereza acusa o pobre Wilson de querer abusar da filha, que agora tem uma “situação financeira boa”. Com a morte do marido, o financiamento do apartamento onde viviam foi quitado e, de quebra, ainda recebe uma aposentadoria pela morte do esposo.

Na Páscoa, estou mais uma vez em casa e Wilson aparece para me mostrar as alianças gravadas com seu nome e o de Thaynara. E me faz um convite. Naquela noite, sábado de aleluia, irá fechar o bar do Côco para seus convidados, com cervejas, refrigerante e fichas de karaokê à vontade. Avisa, ainda, que “queimará umas carninhas” para os mais famintos.

Eu não fui ao bar do Côco naquela noite, infelizmente. E me arrependo profundamente por isso. Hoje, passados dois anos, voltei a falar com o Wilson sobre esta história. E ele me revelou que está feliz, que a família já o aceita como esposo de Thaynara.

— Ela me ensinou o amor. Me ensinou o sexo. Era como se, antes dela, eu nunca tivesse vivido nesse mundão de Deus.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
Post criado 1776

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