Em 2009, talvez em outubro, telefonei para a Maria Thais e propus-lhe um encontro. Nós não nos conhecíamos pessoalmente. Na verdade, eu era um fã incondicional do seu trabalho como diretora e a perseguia, como espectador, em todos os seus trajetos. Mais: Thais era inspiradora do projeto que, naquele momento, estávamos colocando em prática, a SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco.
Thais nos interessava, também, por seu espírito contestador, pelo ativismo em causas importantíssimas – do povo ameríndio, passando pela luta em defesa de uma pedagogia teatral consciente e consistente (não à toa, tem em seu curriculum, além da formulação da Escola Livre de Santo André, passagens pela Unicamp e Usp).
Mas foi uma conversa com o Alberto Guzik que desencadeou este meu telefonema à Thais. Procurávamos uma consultoria pedagógica para o nosso projeto. Naquele momento, Alberto respondia pela direção pedagógica da Escola. Infelizmente, não pode estar conosco além disso. Poucos dias depois, foi internado e não viu nossos sonhos florescerem.
Mas, voltando, Thais e eu nos encontramos num café na Praça Vilaboim, em Higienópolis, ao lado de sua casa, num sábado nublado, à tarde. E foi um grande encontro, iluminado mesmo. Porque, além de explicar à Thais o que me trazia ali, foi um momento de descobertas intensas.
Depois deste dia, Thais passou a trabalhar conosco na SP Escola de Teatro e este nosso encontro foi uma grande aventura. E sua experiência junto à ELT foi tema de muitas reuniões.
Thais criou, ao lado de Celso Frateschi, em 1990, a ELT que, em alguns anos, tornou-se referência no ensino teatral brasileiro. E, claro, nosso Projeto Político-Pedagógico foi todo inspirado – direta e profundamente – por esta estrutura e metodologia.
Na ELT, alguns dos grandes nomes do pensamento e da pedagogia teatral contemporânea estiveram reunidos, apoiados por uma consistente e séria base teórica, para formular um dos projetos mais espetaculares da história da formação teatral brasileira. Vou além: não apenas para a instrução de artistas de teatro.
A ELT é essencial para a vida cultural de nosso País e para a formação de cidadãos conscientes de seu papel perante a sociedade.
Para que possamos compreender a importância dessa instituição, olhemos para a década de 1990, na época de sua fundação. Criada com a intenção de proporcionar um bom ensino artístico ao pessoal de Santo André e também para atrair pessoas de outros municípios, a ELT teve o olhar voltado, desde seu início, para a questão do coletivo.
Tendo como premissa conceitos como a pedagogia da autonomia, a gestão coletiva e o processo de criação colaborativo – que muito interessam à SP Escola de Teatro –, a ELT sempre foi criteriosa ao selecionar os profissionais que a compunham. Um projeto que une competência didática e saber artístico à prática do ofício.
Por esses e outros motivos, a ELT é considerada uma das principais escolas de teatro do Brasil, um centro de formação e criação dedicado a pensar as mais pertinentes questões que permeiam o fazer teatral, da maneira mais humanista possível.
Agora, diante de toda a polêmica recente envolvendo o fechamento da ELT, creio que seja necessário explicitar o porquê de a instituição ser tão prezada e defendida pela classe. Porque, acima de qualquer outro ponto, ela nos é essencial.
E Maria Thais continua conosco. É dela, para citar apenas um exemplo, a responsabilidade de pensarmos a formação teatral além da ideia de um tablado. E, de seu legado, trouxemos, para a consultoria pedagógica do ano seguinte, Kil Abreu que, não coincidentemente, dirigiu a ELT por dez anos. E, casualidade ou não, Kil também continua a colaborar conosco.
Aqui, na SP Escola de Teatro, nos orgulhamos o tempo todo de trabalhar com um dos sistemas pedagógicos mais incríveis e ambiciosos da educação contemporânea. Mas, importante dizer, nada disso é exatamente novo. Inteligente de nossa parte, isto sim, foi se apropriar de exemplos, antes éticos e progressistas, para pensar na construção de uma instituição que pudesse pensar a construção de um mundo melhor.
Porque o mais importante é acreditar que o mundo precisa ser reiventado. Não achar que descobrimos o ovo de Colombo e que tudo está resolvido. Porque, para nós, o importante é não estar pronto. E só assim, em construção, poderemos ressignificar o nosso mundo.