AGORA É A VEZ DA NORUEGA | Faróis que atravessam fronteiras

Toda vez que viajo me certifico de que existe um instante, sempre muito pequeno, quase imperceptível, em que o mundo se abre dentro da gente. São momentos mágicos. Acontecem quando atravessamos a porta de um aeroporto. Ou quando nos deparamos com um sonho que parecia impenetrável. Lembro quando conheci a França. Cheguei num trem que partira da estação de Santa Apolónia, em Lisboa. Enquanto cruzávamos Portugal e depois a Espanha, tudo parecia sob controle. Mas, ao atravessar a fronteira francesa, fui tomado por uma febre altíssima. Precisei de médico e medicação assim que desembarcamos em Avignon, nosso destino.

Era como se o corpo me alertasse. Atravessar fronteiras, às vezes, desloca o que há de mais íntimo em nós.

Esses instantes mágicos também acontecem quando um frio desconhecido toca nossa pele pela primeira vez. Quando ouvimos uma língua que não compreendemos, mas que mesmo assim nos acolhe pela sonoridade do novo. É um instante breve e eterno, em que entendemos que viajar é mover também o próprio coração.

Bárbara Roma Fadil e Monaliza Fileno Custodio viveram esse instante quando embarcaram rumo a Oslo, atravessando oceanos para descobrir que o mundo sempre esteve, de alguma forma, dentro delas. Representam a SP Escola de Teatro – um equipamento da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo,  mantido pela Adaap, a Associação dos Artistas Amigos da Praça – em um projeto que, desde o nome, já traz algo de vertigem e poesia: Pixels as big as mill-wheels! – A hundred years of video (ou: Pixels tão grandes quanto rodas d’água! – Cem anos de vídeo).

Na Oslo National Academy of the Arts, parceira da nossa SP Escola de Teatro, entre estudantes de Helsinki, Berlim e Vilnius, encontraram não apenas outro mundo, mas muitos. Mundos possíveis, mundos inventados, mundos que se tocam no ponto preciso onde a arte é mais profunda. Sua potência de deslocar fronteiras. Internas e externas.

Porque um intercâmbio não é apenas uma viagem. É desbravar territórios íntimos, abrir janelas, perceber que existem infinitas maneiras de viver, criar, pensar. E que todas elas, à sua maneira, são pontes para outras existências. É um exercício radical de curiosidade. Essa curiosidade pelo mundo inteirinho latejando dentro de nós, que sempre defendi como fundamento de toda vida artística verdadeira.

Desde a inauguração da SP Escola de Teatro, já realizamos mais de 320 intercâmbios internacionais. São 320 travessias. 320 mundos abertos. 320 vezes em que nossos estudantes provaram, com o corpo e com a alma, que cultura não é fronteira. É travessia.

Todos os nossos intercâmbios são inteiramente gratuitos. Nossa escola assume integralmente passagens, hospedagem e alimentação dos participantes, garantindo que nenhuma barreira econômica impeça nossos jovens de atravessar fronteiras. Para isso, contamos inclusive com uma coordenação especializada nesse campo. Marcio Aquiles, nosso Coordenador de Parcerias Internacionais, que dedica seu trabalho a abrir caminhos, firmar alianças e transformar o mundo em território acessível para todas e todos.

Quando vejo nossas e nossos jovens pisarem em outras geografias, percebo que a SP Escola de Teatro cumpre, mais uma vez, sua vocação mais bonita. Ser uma casa que não aprisiona, mas que lança. Uma escola que não forma artistas para caberem num só lugar, mas para habitarem muitos. Uma escola que sabe que o mundo é vasto. E que a arte é o único idioma capaz de atravessar tudo.

E enquanto eu estiver aqui, lutarei diariamente para que essas travessias sigam acontecendo. Para que mais estudantes descubram o mundo e, ao mesmo tempo, descubram a si mesmos. Serei sempre um farol mirando longe, reposicionando fronteiras possíveis, convocando novos horizontes. Acredito, profundamente, que só a arte é capaz de mover mundos. Só a arte faz o mapa tremer.

É por isso que celebramos a viagem de Bárbara e Monaliza como quem reacende uma chama antiga. A chama do desejo de aprender com o outro, de escutar o mundo, de se reinventar a cada passo.

Que outras viagens venham. Que outras portas se abram. Que outros instantes pequenos — desses que mudam tudo — se multipliquem.

Afinal, quem caminha com curiosidade nunca volta igual.

E a arte, essa companheira de todas as jornadas, continuará movendo o mundo adiante, uma travessia de cada vez.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
Post criado 1983

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