A singularidade do amor

O Chico é nosso labrador caramelo mais amado. A gente o conheceu há dez anos, quando o encontramos doente e abandonado, em Parelheiros. Ele tinha dois anos nesta época. Eu não tinha experiência alguma com cachorros. Aliás, tinha medo deles e não me aproximava com facilidade.

Mas aconteceu que o Chico foi ficando, foi ficando e quando vimos já fazia parte das nossas rotinas, trazendo muita alegria pras nossas vidas, especialmente pra minha que, aliás, naquele momento, início dos anos 2010, estava bem maluca. Eu me encontrava completamente perdido e vivendo nas madrugadas, bebendo muito e fazendo muita besteira. Então, a primeira coisa que o Chico fez foi me tirar da esbórnia. A segunda – e mais importante – foi trazer a Cacilda pra nossa casa. Eu não teria conseguido receber tanto amor sem cuidar de mim primeiro. Este foi o aprendizado mais valioso.

A Cacilda era uma cachorra que era tratada pelos alunos e colaboradores da SP Escola de Teatro. Vinda da rua, havia aparecido ali, no prédio da instituição, para se proteger e dar à luz a seis filhotinhos.

Assim, juntos e dividindo o mesmo endereço, eu, Cacilda, Chico e Rodolfo, formamos uma família. Uma linda e feliz família. E vivemos bem felizes nestes anos todos. A sensação que eu tinha é que seria para sempre.

Mas o tempo é implacável. No ano passado, o “pra sempre” fez com que a Cacilda começasse a ficar malzinha de saúde e a gente tivesse que cuidar dela em tempo integral. Naquele momento, percebemos que nossos amores haviam chegado à velhice. Tão de repente, meu Deus! Repentinamente – e sem que a gente se desse conta – tudo ali, em nossas vidas, começou a mudar.

Depois de meses sendo cuidada com o maior amor do mundo, Cacilda acabou desvivendo em setembro, no mesmo momento em que descobrimos um tumor enorme no baço do Chico, que passou por uma cirurgia delicada em outubro. Desde então, nosso amor está em processo quimioterápico. Aliás, ontem, passou pela quarta sessão de quimioterapia.

Para viver tudo isso, há mais de um ano mudei tudo em minha vida. Nunca mais saí com amigos, nem jantei fora, nem fui à alguma festa. Não fui ao teatro nem ao cinema. Também fugi dos palcos como ator. Fui criando todo tempo que pudesse ter livre para ficar com eles.

Prometi ao meu Chico que estaremos juntos até o fim, até o último momento. Como fizemos com a Cacilda, que em seus últimos tempos já não andava mais. Em um carrinho de bebê, continuamos a passear pelo mundo e a exigir dele tudo o que tínhamos de direito. E não faltaram emoções. Nossa, como foi lindo!

Não tem sido fácil. Nem um pouco, é bom dizer. Mais pra ele que tem enfrentado uma rotina complicadíssima, com acupuntura, fisioterapia e natação, além de visitas semanais a médicos de todo tipo de especialidades.

Mas o amor que ando recebendo desse velhinho, que chegou aos 12 anos, é algo que não tem medida. Faria tudo novamente. Porque tem valido cada dia, cada história, cada minuto. E agradeço. Meu Deus, como agradeço.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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