A ESCOLA DOS SONHOS | Onde o colo vira caminho

Tem sido um tempo bonito. Um tempo que me desmonta com delicadeza, como quem acende o caminho para que eu siga mais leve. Há muito não vivia algo assim. Uma travessia feita de escutas, onde as palavras dos outros – suas dores, invenções, dúvidas, brilhos – chegam antes das minhas. Tenho falado pouco. Tenho ouvido muito mais. E, no silêncio que se abre, descobri gente extraordinária, dessas que iluminam o chão na exata medida do passo.

Já disse isso por aqui, talvez repetidamente, mas hoje entendo melhor. Nunca recebi tanto carinho na vida. Não um carinho ruidoso, festivo, mas o colo silencioso de quem te sustenta quando você pensa que não vai dar conta. Esse abraço coletivo veio, sobretudo, do conselho da ADAAP, essa casa que há tanto tempo segura a SP Escola de Teatro, e que agora, de alguma forma, também segura a mim. Foi um tempo de provação, sim. Mas também um tempo de amor, de respeito profundo, de cuidado com aquilo que não aparece na superfície. O tipo de cuidado que salva.

Estive grudado nos colaboradores da instituição, numa coreografia quase diária de reuniões, conversas, atravessamentos. Nunca nos falamos tanto. Nunca fomos tão potentes. E talvez por isso este seja o momento em que mais gosto da nossa escola. É agora que definimos os temas e as articulações pedagógicas dos módulos do próximo semestre. E cada ideia que surge – às vezes tímida, às vezes arrebatada – abre uma porta que eu nem sabia que existia. É tão bonito quando o futuro começa a se aproximar da gente pelos lados, como quem assovia antes de aparecer.

Hoje passei o dia em reuniões com os artistas formadores que estão trabalhando conosco neste semestre. Foi como atravessar uma floresta de afetos e projetos. Tudo pulsando, tudo vivo, tudo dizendo que é possível reinventar a educação das artes num país que aprende a sonhar apesar de tudo. E há um detalhe que me desmonta de alegria. Tantos egressos voltando à escola como formadores. Ex-estudantes agora à frente da roda, conduzindo processos, provocando inquietações, abrindo caminhos para outros. Meu Deus, como isso me comove. Me sinto provocado o tempo todo. E não existe lugar mais precioso do que esse: o de aprendedor.

Tenho conversado com todos, formadores, estudantes, colaboradores. E alguma coisa começou a brotar em mim, como um gérmen insistindo em atravessar o cimento. Uma vontade de rever a vida, de desmontá-la peça por peça, de reformulá-la a partir das brechas, essas fendas luminosas que Bion talvez chamasse de experiência e que Jorge Forbes reconheceria como travessia de Terra Dois. As brechas e seus entornos, os contornos que se deslocam, as perguntas que insistem em ficar.

Talvez seja isso crescer. Permitir que o mundo nos provoque de novo e, diante dele, continuar escolhendo – sempre – o lugar da aprendizagem. Porque é só nesse lugar que a vida se reinventa. E hoje, mais do que nunca, sinto que estou aprendendo a viver outra vez.

Na foro, com os artistas formadores da turma da manhã: Leandro Vieira, Antonia Vilarinho, Luciana Schwinden, Daniel Veiga, Vivi Ramos (em pé); e Laura Morais, Gylez Batista, Priscila Ferreira e Gabriela Luna

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
Post criado 1983

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