VEJA RIO | A bem-sucedida experiência das peças de teatro montadas na internet

Sessões transmitidas pela internet mostram um caminho de democratização da arte, além de parecer bem mais rentável que a clássica bilheteria

por Marcela Capobianco

O teatro surgiu na Grécia Antiga, no século V a.C., tendo as tragédias a função, definida por Aristóteles, de “expulsar as fortes emoções dos espectadores”. E é isso o que dramas e comédias vêm fazendo, em palcos diversos ao longo da história, sempre com o ator diante de seu público.

Na pandemia, justo ao se tornar ainda mais necessária por ser um tempo de intensas emoções, a interação, que é a espinha dorsal da existência do teatro, de repente, se desfez. E a ribalta, ela também, foi aportar no universo virtual.

Como aconteceu no mundo da música, em que as lives se tornaram o canal de conexão do artista com a plateia, atores, diretores e dramaturgos sem data para voltar ao espetáculo ao vivo estão levando suas peças para a internet.

“Sinto que o teatro está respirando por aparelhos. Para que ele siga existindo, são necessários computadores, celulares, câmeras. Mas, seja como for, subir ao palco numa pandemia é um privilégio”, diz Paulo Betti. Com mais de quarenta peças no currículo, o ator de 67 anos integra a campanha Teatro Já, que promove, desde o início de julho, transmissões de peças e shows por um aplicativo de videoconferência.

Na plateia, um único espectador a cada apresentação representa o público. A iniciativa partiu da atriz Ana Beatriz Nogueira, que desde o início da quarentena passou a ler poemas nas redes sociais, mas sentia muita falta das coxias e da ribalta.

Ana procurou André Junqueira, gestor do Teatro PetraGold, no Leblon, onde ela havia se apresentado com a peça Relâmpago Cifrado, ao lado de Alinne Moraes. Junqueira cedeu espaço e funcionários sem cobrar nada e, juntos, esperam seguir com a empreitada até o fim do ano. “O novo coronavírus varreu a empolgação dos atores, o frio na barriga dos bastidores. Eu estava incomodada em casa sem fazer nada, e tive a ideia de levar peças para a casa das pessoas da forma mais pura: um ator, poucos cenários e figurinos. É teatro na essência”, diz a atriz.

O projeto já teve participação de Marcelo Serrado, com Os Vilões de Shakespeare, e apresentará, ao longo de julho, sessões de monólogos da própria Ana Beatriz e de Paulo Betti. A partir de agosto, a programação vai apresentar obras inéditas, com estreias de solos de Arlindo Lopes, Júlia Rabello e Gilberto Gawronski.

Atrizes como Lilia Cabral – que ensaia o espetáculo A Lista, do dramaturgo Gustavo Pinheiro, em casa com a filha, Giulia Bertolli -, Maitê Proença e Clarice Niskier entram no circuito em setembro. Os ingressos (para a transmissão, claro) custam 10 reais, e a metade do valor arrecadado é doada a profissionais que ficaram sem trabalho por causa da pandemia.

Muito antes de a Covid-19 baixar por tempo indeterminado as cortinas, o teatro carioca já vivia uma crise financeira, com patrocínios cada vez mais escassos e queda vertiginosa do número de editais e leis de incentivo à arte.

A freada brusca imposta pela quarentena deixou milhares de profissionais da área desempregados do dia para a noite. A ajuda oficial demorou, entre idas e vindas na Secretaria da Cultura, mas no fim de junho o presidente Jair Bolsonaro sancionou finalmente a Lei Aldir Blanc, após tramitação na Câmara e no Senado em tempo recorde. Publicada no Diário Oficial em 9 de julho, a medida promete liberar até 3 bilhões de reais para estados e municípios, com recursos do Fundo Nacional de Cultura.

É um alento, mas está longe de sanar os problemas do setor. O ator e dramaturgo Ivam Cabral, da companhia Os Satyros, sairia em turnê pela Europa com o monólogo Todos os Sonhos do Mundo. Planos cancelados, ele  transformou o corredor de seu apartamento em palco e passou a exibir o espetáculo através de sua conta no Instagram. “Cheguei a me perguntar se estaria prestando um desserviço à classe, por colocar meu trabalho na internet sem cobrar nada. Mas precisava transformar o meu choro em algo produtivo”, justifica Cabral.

A iniciativa chamou a atenção da Sympla, plataforma de venda de ingressos para eventos culturais, que começava a experimentar a transmissão de espetáculos on-line através do aplicativo Zoom. Daí nasceu A Arte de Encarar o Medo, com dezoito atores contracenando diretamente de suas casas, de sexta a domingo.

Pensada exclusivamente para o modelo híbrido entre teatro e cinema, a peça, cuja história se passa em um futuro distópico em que todos vivem em isolamento, é filha legítima dos tempos de pandemia. “Até a estreia, não tínhamos certeza de que o espetáculo funcionaria ou se seria um mico. Mas tem dado certo, e já consigo enxergar a internet não como uma bengala, mas como um espaço desejado pelo ator”, aponta Cabral. Para a estreia, no dia 13 de junho, foram vendidos 531 ingressos, a 20 reais – no “antigo normal”, uma sessão lotada da companhia reuniria oitenta pessoas.

“Esse modelo jamais vai substituir o frisson e a atmosfera do teatro tradicional, mas mostra um caminho de democratização da arte. Ela chega a lugares não alcançados antes, e com possibilidade concreta de faturamento”, observa Kátia Latufe, diretora de negócios da Sympla. A empresa tem diversos espetáculos em cartaz pela internet e prepara novidades, entre elas dois projetos da companhia do diretor Zé Celso Martinez Corrêa, previstos para estrear nas plataformas on-line no segundo semestre. Mais uma vez, o teatro faz da adversidade combustível para o espetáculo seguir vivo e vibrante.

Fonte: Veja Rio

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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