𝐎 𝐬𝐮𝐬𝐭𝐨 𝐨𝐮 𝐂𝐡𝐢𝐜𝐨, 𝐧𝐨𝐬𝐬𝐨 𝐥𝐚𝐛𝐫𝐚𝐝𝐨𝐫 𝐜𝐚𝐫𝐚𝐦𝐞𝐥𝐨 𝐦𝐚𝐢𝐬 𝐥𝐢𝐧𝐝𝐨

— Pelo amor de Deus, Chico, não faz isso comigo, meu amor. Por favor, não vai agora. Agora, não, por favor, eu ia repetindo enquanto ele, o meu amor caramelo, o Chico, convulsionava, na calçada do Satyros e da SP Escola de Teatro, na Praça Roosevelt.

Durou uns três minutos, talvez uns quatro, mas menos que cinco. Tempo para juntar pessoas que buscaram água e me ajudaram a reanimar o meu amor.

Deveria ser uma tarde bem agradável, a de sábado. Tava calor, a rua cheia de gente. No passeio deste final de tarde, eu e o Chico tínhamos passado no Satyros, estávamos felizes. Já estávamos indo pra casa quando cruzamos com um cachorro branco, em frente ao Lekitsch Bar.

Chico não gosta de cachorros brancos, principalmente se o cachorro branco for bonito. Quando encontramos algum, sempre tem confusão.

O Rodolfo jura de pés juntos que é porque, uns bons anos atrás, apareceu em nossa casa de Parelheiros o Marmelada, um cachorro branco, que era muito bonito e que adorava ficar com a gente, mas o Chico nunca o engoliu direito.

Nessa altura, Cacilda ainda estava viva, ela e o Chico chegaram a fugir de casa. A única vez que saíram sozinhos e se perderam foi naquele dia em que o Marmelada estava com a gente. Quando sentimos a falta dos dois, ficamos desesperados. Foram encontrados muito tempo depois, caminhando pela estradinha, em direção oposta à da nossa casa. Desde então o Marmelada nunca mais ficou em casa e Chico passou a odiar cachorros brancos. Principalmente os bonitos.

Então, em frente ao Lekitsch, lá estava aquele cachorro branco lindo. E Chico, que sempre é muito dócil e tranquilo, ficou louco e partiu pra cima dele. Tanto Chico quanto o cachorro branco e lindo estavam na guia, então não foi difícil apartá-los, embora não tenham chegado ao confronto propriamente dito. Mas tive que colocar bastante força para que isso não acontecesse e Chico ficou bem cansado.

Deixamos o cachorro branco bonito pra trás e caminhamos alguns poucos metros. Em frente ao Papo, Pinga & Petisco, o Chico primeiro se sentou e, em seguida, desfaleceu. Fiquei desesperado, tive certeza, absoluta mesmo, que ele estava desvivendo.

— Pelo amor de Deus, Chico, não faz isso comigo, meu amor. Por favor, não vai agora. Agora, não, por favor, eu ia repetindo.

Algumas pessoas vieram em nossa direção para tentar nos ajudar, eu não sabia o que fazer. Comecei a chorar, eu estava desesperado, a calçada tava cheia de gente.

Um morador em situação de rua, que passava por ali, começou a massagear o coração do Chico, enquanto eu me desesperava. Só pedia que ele não me deixasse. Foi quando, aos poucos, Chico foi voltando daquele transe.

Uns minutos depois e tudo tinha voltado ao normal. Saímos dali com Chico caminhando, olhar assustado. Mas, juro, até agora meu coração acelera toda vez que me lembro dessa história.

Chico tem quase 13 anos, está fazendo quimioterapia, depois da retirada do baço e de um tumor enorme, em outubro, semanas depois da morte da Cacilda, nossa vira-latas mais amada, que morreu após fazer uma cirurgia para a remoção de um insulinoma no pâncreas, dilacerando nossos corações.

Foi bem complicado o processo do Chico. Chegamos a pensar que ele não iria sobreviver. O tumor pesava quase dois quilos! Mas nos últimos tempos está lindo e sua luta pela vida tem indicado bons sinais. É atendido por uma equipe médica incrível e não tem nenhum problema cardiovascular. Talvez, agora, tenhamos que averiguar se nosso menino não teria algum transtorno neurológico.

Seguimos por aqui. Enquanto escrevo, Chico dorme ao meu lado. Sereno e tranquilo, como sempre foi quando nos deitamos. E a São Chico eu peço que o futuro seja leve. Sem dor, sem sofrimento e com amor. Com muito amor.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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