Depois de mais de dez anos vivendo completamente sozinho no meio do mato, aqui em Parelheiros, há dias começaram a construir uma casa ao lado da minha. Não, a tristeza não é apenas por perder a minha solidão. Cortaram várias árvores do terreno e eu só penso nos macaquinhos que viviam nelas.
Pior: não tenho coragem de denunciá-los. Serão meus vizinhos e preciso ter uma boa relação com eles. Vocês não imaginam o que é ser odiado por vizinhos num lugar com este. Teve uma casa aqui perto que pegou fogo, há uns anos. Dizem que foi porque o dono da casa que ardeu foi à polícia delatar uma construção ilegal.
Tão triste ver a cidade perdendo espaços verdes. Aqui, no meu condomínio, tenho visto, ao longo dos anos, os terrenos sendo desmatados para a construção de moradias. Dói o coração.
Quando cheguei aqui ainda existiam bugios, aqueles macacos enormes que também são chamados de macacos uivadores. Me lembro das primeiras noites aqui, como eram assustadoras. Os uivos dos bugios são de um terror impressionante. Morria de medo. Com o passar do tempo, me acostumei com seus gritos e até gostava. Quer dizer, gostava não, eu amava! De um tempo pra cá, esses uivos desapareceram completamente.
A 100 metros da minha casa tem a represa de Guarapiranga. É dos lugares mais incríveis da cidade de São Paulo. O pôr do sol daqui é dos mais lindos do mundo. Das coisas que mais gosto na vida é, no entardecer, sentar em baixo de uma das árvores e acompanhar o movimento do sol se pondo.
No início, o sol se punha num horizonte repleto de verde, do outro lado do imenso rio formado pela represa. Fui vendo este verde desaparecer. No lugar dele, casas e mais casas foram surgindo.
Neste início fiz coisas louquíssimas. Telefonava pros prefeitos. Fui capaz de conseguir os celulares dos prefeitos, todos; e, se não ligava, mandava mensagens diretas, tipo WhatsApp. Fiz isso com o Serra, com o Kassab, com o Haddad e até com o Bruno, que me passou o celular do subprefeito de Parelheiros, que enviava viaturas para apurar as minhas denúncias.
Cerca de um ano atrás um dos meus vizinhos me procurou, um dia. Disse que era pra eu ficar na minha. Embora simpático – aliás, muito simpático –, entendi seu recado. Aquela conversa era, na verdade, uma ameaça. A partir daí, nunca mais fiz nada. Até porque, até ali, nada de fato havia acontecido. Eu era, na verdade, mais um louco que ficava vigiando a floresta e complicando a vida das pessoas.
Sinto que, talvez, o meu tempo por aqui esteja chegando ao fim. Talvez procure outro lugar ou me afaste definitivamente do sonho de viver no meio do mato. Até porque esse meu espírito ameríndio tem me custado algumas antipatias. E não ser bem vindo num lugar onde a lei passa a quilômetros de distância, não é assim tão prazeroso. Isso porque estou falando de um bairro de uma das maiores cidades do mundo. Já imaginaram o que seria tentar proteger a floresta Amazônica, por exemplo? Penso nisso todos os dias…
Algumas fotos daqui:
Ivam, lendo seu texto, lembro exatamente dos que avançam sobre a Amazônia e o Pantanal para transformá-los num grande pasto. É uma ganância q compromete a vida no planeta. 😔
é exatamente o que estão fazendo por aqui, kiko. uma pena.
Oi, Ivam! Cresci na Serra da Cantareira e sei como é isso. Até dirigi um curta metragem recentemente que aborda essa questão do desenvolvimento econômico em áreas verdes. É delicado. Aliás, parabéns pelo Cine Bijou, estou ansioso para a reabertura. Adoraria trabalhar lá, inclusive, caso precisem! Sou diretor de cinema e poderia ajudar na curadoria e afins. Enfim, não desista da ideia de morar no mato! Vale muito a pena pro coração. Abs!
ainda estamos organizando a casa, tentando entender como as coisas funcionam. vamos nos falando. abraço grande.