UMA PEQUENA CRÔNICA PARA TERMINAR O ANO | Antes que o Carnaval Anuncie a Alegria

𝐔𝐌𝐀 𝐏𝐄𝐐𝐔𝐄𝐍𝐀 𝐂𝐑𝐎̂𝐍𝐈𝐂𝐀 𝐏𝐀𝐑𝐀 𝐓𝐄𝐑𝐌𝐈𝐍𝐀𝐑 𝐎 𝐀𝐍𝐎 | 𝐀𝐧𝐭𝐞𝐬 𝐪𝐮𝐞 𝐨 𝐂𝐚𝐫𝐧𝐚𝐯𝐚𝐥 𝐀𝐧𝐮𝐧𝐜𝐢𝐞 𝐚 𝐀𝐥𝐞𝐠𝐫𝐢𝐚

Foi um ano de tempestades. Não apenas daquelas que dobram árvores, arrancam telhados e fazem a cidade parar por alguns minutos diante do espanto. Foi um ano de vendavais íntimos, desses que não aparecem no noticiário, mas deixam marcas mais profundas. Aqui dentro, no território silencioso do coração, o clima foi severo. Talvez o mais turbulento de todos os que já atravessei.

Houve momentos em que precisei tomar decisões extremas, como nunca antes. Decisões que não nascem da coragem heroica, mas da exaustão. Quando não se escolhe porque quer, mas porque não escolher já não é uma opção. Curiosamente, enquanto o mundo externo parecia convidativo – propício a deslocamentos, encontros, descobertas –, o verdadeiro vendaval acontecia no avesso das coisas, onde a gente guarda aquilo que insiste em não se resolver.

A psicanálise, velha companheira, sempre nos avisou. O inconsciente é traquinas, reincidente, pouco interessado em aprender com a razão. Repete, repete, repete. Como se nos testasse. Como se perguntasse, em voz baixa e insistente: “você já entendeu agora?”. E não, quase nunca entendemos. Mesmo depois de tantos anos falando sobre as mesmas dores, os mesmos impasses, os mesmos nós. Há algo de ancestral nesse mecanismo – uma espécie de punição arcaica – que nos atravessa antes que possamos nomear.

Mas o tempo, esse operador silencioso, também faz seu trabalho. Passado o susto, depois que a poeira baixa e o corpo volta a respirar, algo se abre. E o que se abriu, para mim, foi da ordem da descoberta. Uma descoberta aparentemente simples, quase infantil: ser amado. Assim, sem adjetivos. Ser amado. Parece pouco. Não é. Descobrir-se necessário, desejado, cuidado – isso não é uma informação qualquer. É matéria de travessia. É o que sustenta quando o chão some.

Ser amado reorganiza a narrativa. Dá força à memória. Reposiciona a história. Porque, no fim das contas, o que realmente importa é a coerência. Aquilo que fazemos coincidir entre gesto e palavra, desejo e ética. Em tempos tão sombrios, em que o mundo parece flertar diariamente com a barbárie, a ética deixa de ser conceito e passa a ser abrigo. Ética é tudo.

E talvez eu tenha vindo até aqui para dizer apenas isso. Que 2025 será, para sempre, o ano da virada. Há coisas incríveis em curso, movimentos silenciosos, sementes lançadas – ainda não posso contar, infelizmente. Algumas alegrias pedem maturação. Outras exigem silêncio. Deixo para celebrar em 2026, quando o verão estiver firme, quando o carnaval anunciar, sem ambiguidade, que o tempo voltou a ser de alegria.

Porque, apesar de tudo, apesar dos vendavais, a vida insiste. E insiste bonita. Bonita, bonita e bonita.

Feliz ano novo!

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
Post criado 1993

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