Espaços menores dizem que é impossível manter protocolos sanitários e preveem mais fechamentos em São Paulo
POR CAROLINA MORAES
Teatros passaram os meses de pandemia entre campanhas de doação, ingressos voluntários e um aguardado fôlego com o auxílio da Lei Aldir Blanc. Alguns não resistiram ao período fechado e ao vaivém de reabertura e fecharam as portas definitivamente.
Agora, os espaços estão novamente liberados para retomar as atividades no estado de São Paulo e voltar com a bilheteria habitual. Mas muitos não vão —e pretendem continuar se dedicando à programação online.
Esse é o cenário para nomes emblemáticos da capital paulista, como o Oficina e Os Satyros, e os motivos são muitos —a incapacidade de manter os protocolos e atingir uma bilheteria que compense a capacidade permitida estão entre eles. Todos eles, no entanto, estão em dissonância com as decisões do governo estadual de quando e como reabrir.
No caso dos Satyros, Ivam Cabral, um dos fundadores, explica que é inviável reabrir o teatro na praça Roosevelt, para cerca de 60 espectadores, seguindo os protocolos sanitários de distanciamento e ventilação. A companhia chegou a fechar um de seus dois espaços, que mantinha havia 15 anos, durante a pandemia em função do aluguel, considerado alto para o quanto eles têm arrecadado.
“Somos uma imensidão de gente”, diz Cabral, sobre os cerca de 70 integrantes do grupo. “Então a gente já sabe que Os Satyros não abrirá neste ano, e é uma questão científica.” O planejamento para todo 2021 é ficar na programação virtual, que tem sido intensa para o grupo. Eles já estrearam 11 espetáculos, e alguns chegaram a ter mais de 25 mil espectadores.
“O lado ruim é que todos trabalhamos com um teto salarial muito abaixo do que queríamos e merecíamos, mas o público não nos abandonou. Nunca tivemos um problema de não fazer uma peça por falta de público”, afirma o fundador. “E, certamente, até o final do ano vai continuar esse fecha e abre. Se não tem imunização, não tem segurança.”
Vários espaços já atravessaram o primeiro choque com peças virtuais e as dificuldades técnicas que elas implicam, como a própria falta de equipamentos para levar os espetáculos para as telas de computador. Mas o caráter embrionário desse tipo de peça se revela na própria dificuldade em nomear o que são, afinal, essas montagens.
Ivam Cabral diz que é uma telepresença. Camila Mota, uma das diretoras e atrizes do teatro Oficina, nomeia as montagens de “objeto audiovisual não identificado”, um “Oavni”. Eduardo Tolentino, diretor do grupo Tapa, avalia que não se trata de teatro nem de cinema e que eles se aproximam de uma experiência da radiofonia.
“A gente foi vendo que a maior parte das pessoas vê as peças pelo celular, que corresponde quase a um pequeno rádio de pilha. Se a gente estivesse conversando pelo computador, já estaríamos numa evolução da telefonia”, explica Tolentino.
O desenvolvimento dessa linguagem virtual também não foi linear. Quando o cenário da pandemia começou a arrefecer no segundo semestre do ano passado, o Tapa voltou a ensaiar em seu próprio galpão para a transmissão ao vivo. Eles voltaram atrás com esse novo pico da pandemia e agora fazem as apresentações a distância, o que quebra em parte o fluxo que a companhia entrou, segundo o próprio diretor.
O grupo mantém o galpão alugado “aos trancos e barrancos”, diz o diretor, e a Lei Aldir Blanc também deu uma sobrevida a esse cenário de dificuldade financeira —antes, o Tapa já tinha aberto sua campanha de doações.
“Há uma diferença entre o governo flexibilizar e a gente achar que não deve fazer. Eu acabei de tomar minha primeira dose de vacina na semana passada, mas eu sei que trabalho com pessoas que vão demorar a tomar, e tem o público no meio dessa história”, afirma.
Mas ele defende que o grupo voltará mais fortalecido aos teatros quando for possível abrir, já que a classe como um todo abriu outros campos de linguagem durante o confinamento.
A natureza dos espetáculos do Oficina também é o que motiva a companhia a manter só a programação virtual por enquanto. Isso se relaciona tanto com a arquitetura do lugar, que tem uma pista central e uma espécie de arquibancada nas laterais, quanto com a linguagem do grupo, que é numeroso e tem participação constante do público.
“Esse estado que a gente vive, que qualquer pessoa é potencialmente alguém com uma carga viral, é algo mais radical do que uma quarta parede”, diz Camila Mota. Ao longo do ano, o grupo disponibilizou gravações, como a de “Os Sertões”, em seu canal no YouTube, criou podcasts e abriu os bastidores da companhia para o público.
“A gente começou a entender que o Oficina já tinha relação com o vídeo há décadas, mas que teríamos que transformar o teatro no estúdio Oficina. Nesse momento, o que a gente está tentando fazer é entender o espaço como estúdio”, diz a diretora.
O projeto envolve montagens pensadas para o audiovisual e com gravações em espaços do prédio que o público não vê, como o subterrâneo.
Financeiramente, não é fácil manter o espaço desenhado por Lina Bo Bardi e um grupo grande de funcionários. No começo da pandemia, a companhia abriu a venda de mil ingressos, que podem ser usados quando o teatro reabrir. Conseguiram vender todos, mas o número equivale à bilheteria de um final de semana de apresentações presenciais.
Camila Mota também conta que a companhia percebeu que o pagamento via Pix das transmissões do YouTube são mais concretas que as bilheterias por outras plataformas e começará uma campanha para aumentar o número de inscritos no canal para terem acesso direto a uma assistência da empresa.
O canal chegou a ficar suspenso por dez dias por denúncias de conteúdo impróprio. Com um diálogo direto, Mota diz que esse tipo de suspensão pode ser resolvida com mais agilidade. Enquanto durarem as apresentações online, driblar e confrontar as redes para pôr a nudez em cena parecem uma constante. E, por enquanto, elas não têm hora para acabar.
Fonte: Folha de S.Paulo, 7 de maio de 2021
Na foto, o espaço do grupo Os Satyros, que é usado para transmissão de peças virtuais; o segundo espaço deles fechou durante a pandemia Bruno Santos/Folha Press