REFLEXÃO | Teatro pelo Zoom agrada agrada público, mas gera crítica

Formato, que é mais próximo do cinema, tem elenco que não se conhece ao vivo e cenários que mudam em um clique

Clara Balbi e
Marina Lourenço

Em vez de apagar as luzes, desligam-se as câmeras da plateia. Os cenários, formados por imagens em jpeg, se transformam num clique. E os atores, antes separados dos espectadores por fileiras e fileiras de assentos, parecem mais próximos do que nunca, seus rostos em close. Quase três meses depois de a programação teatral ser interrompida pela pandemia do novo coronavírus, as peças encenadas virtualmente começam a se difundir. E o palco da vez é o aplicativo de teleconferências Zoom, mais customizável do que as redes sociais convencionais.

É o caso de “Pandas, ou Era uma Vez em Frankfurt”, adaptada de um texto do romeno Matéi Visniec e “A Arte de Encarar o Medo”, dos Satyros.

“É como se estivéssemos descobrindo um novo fazer teatral”, resume Rodolfo García Vázquez, um dos fundadores dos Satyros e diretor do segundo espetáculo. Nele, 18 atores imaginam a realidade 15 anos depois de a pandemia se instaurar, num mundo em que as crianças jamais conviveram com os amiguinhos da escola e todo contato humano é mediado por telas.

No Zoom os atores se desdobram em uma série de funções técnicas, como a operação de luz e de som e a contrarregragem..

O que se vê em “A Arte de Encarar o Medo” é um mosaico de telas que muitas vezes remete ao videoclipe.

Outro artifício que chama atenção tanto em “A Arte de Encarar o Medo” quanto em “Pandas, ou Era uma Vez em Frankfurt” é o uso de edição para simular um espaço comum entre intérpretes que, na realidade, estão distantes.

Em “Pandas”, sobre um casal de desconhecidos que acorda num quarto depois de um encontro casual, os atores Mauro Schames e Nicole Cordery trocam objetos entre si, dando a entender que ocupam o mesmo cômodo.

Ao contrário dos filmes, porém, as peças se preocupam e muito em acolher a plateia.

Seja abrindo espaços para os espectadores compartilharem impressões após a apresentação, seja incorporando suas observações ao texto, como faz “A Arte de Encarar o Medo”. Em “Pandas”, a produção chega a pedir que os espectadores mantenham os microfones ligados, para que sua respiração seja ouvida.

É o tipo de interação que, conta a professora secundária Célia Dzialovski, de 68 anos, costuma incomodá-la na vida real. Um convite para um debate a teria feito ir embora após o espetáculo. Mas, com a câmera desligada, ela diz ter se sentido à vontade para compartilhar suas visões.

Além disso, continua, é pouco provável que ela tivesse a oportunidade de ver uma peça como “Pandas” em Miguel Pereira, município a cerca de duas horas do Rio de Janeiro.

Em ambas as peças há casos de atores que jamais conheceram seus diretores ao vivo – o diretor Bruno Kott só conviveu virtualmente com a atriz Nicole Cordery, e o ator César Siqueira, recém-chegado de Portugal quando a pandemia se instaurou, nunca encontrou o restante dos Satyros.

A peça dos Satyros atinge, aliás, o paroxismo disso ao ter em cena uma atriz sueca, Ulrika Malmgren – ela se apresenta direto de Estocolmo.

No entanto, há quem relute em chamar as encenações e ensaios por Zoom de teatro.

“Isso não é mais teatro. É audiovisual”, afirma Leonardo Gonçalves, que leciona na SP Escola de Teatro. “E uma arte audiovisual exige um tratamento de câmera, de luz, de edição. As pessoas estão fazendo qualquer coisa, sem nenhuma preocupação desse tipo, e ainda estão chamando de teatro.”

Gonçalves diz que as peças virtuais são “um grande cavalo de Troia” oferecido à classe artística, no qual fará, segundo ele, alguns atores substituírem os palcos pelos aplicativos mesmo após o fim da pandemia.

Além disso, continua ele, a construção do espaço físico é indispensável às artes cênicas. Depois de dar duas aulas pelo aplicativo, ele preferiu lecionar só depois do fim do período de isolamento social.

Aluna de Gonçalves, Giovanna Leonel, afirma que assim como ela, diversos estudantes têm se sentido desestimulados a comparecer às aulas.

Outros, no entanto, têm gostado da experiência. É o caso de Simone Shuba, atriz, diretora e professora no Teatro Escola Macunaíma, que tem dado aulas pelo aplicativo. “É uma coisa nova e é justamente isso que tem nos movido.”

Diretor de “Pandas”, Bruno Kott argumenta que os pilares de teatro estão, sim, presentes nos espetáculos feitos para o Zoom – sua peça é apresentada ao vivo, sem edição, e é o ator que determina o tempo em cena. “É uma experiência virtual, mas feita para a caixa preta maluca e universal que é a internet.”

A Arte de Encarar o Medo
Sex e sab, 21h; dom, às 16h
Na plataforma Sympla, R$ 20

Pandas, ou Era uma Vez em Frankfurt
Sex, sab e dom, 20h
Na plataforma Sympla, R$ 20

Fonte: Folha de S.Paulo

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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