Teatro dói

Não, eu nunca senti friozinho na barriga antes de entrar em cena. Muito menos prazer com os aplausos do público, ao final de cada apresentação. Nunca, juro. O que sinto é dor. No momento em que enfrento a coxia, o instante antes de entrar em cena, muitas vezes eu tenho vontade de desistir, de sair correndo dali. Não há prazer. As cenas mais fortes eu enfrento com bravura mesmo. Porque, se pudesse, desistiria delas. Dói de verdade. Em Mississipi, por exemplo, eu entro em cena para uma sequência que começa com um suicídio e termina com um atropelamento. É meu momento mais difícil.

Mas faço isso, toda vez, como forma de me manter vivo. É preciso morrer muitas vezes. É necessário um mergulho sem reservas nos nossos medos, nas nossas solidões, angústias, desesperos. E isso o teatro tem me ensinado, diariamente. Não fosse ele, já teria desistido de tudo. Penso nisso diariamente, também. Porque descobri, desde cedo, que viver não basta.

 

  • Na foto de Mãe Gutta, em destaque, eu enfrentando a coxia do Teatro Anchieta, instantes antes de entrar em cena na peça “Mississipi”, em maio de 2019
Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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