– O pai da Marília Gabriela também morreu de soluço.
Foi assim que se iniciou uma das conversas mais surreais que já tive nos últimos tempos. Por motivos óbvios, resguardarei as identidades de nossas personagens. Os protagonistas são:
- A produtora de uma peça do dramaturgo recém falecido
- A atriz de boa alma
- Um dramaturgo recém falecido
- Eu, este blogueiro que vos fala
Pois bem, o dramaturgo havia morrido. Assim, de repente. Gozava de um bom momento, principalmente financeiro, depois de amargar anos sem um puto no bolso.
Era uma boa pessoa, apesar de um temperamento difícil. Como o Bortolotto, também era um escritor compulsivo. Escrevia em sua velha Olivetti – não tinha computador.
De vez em quando, me visitava e trazia seus textos. Eu os devorava. Eram muito bons, acima da média. Pensei em montar alguma coisa dele. Não vou mais fazer isso. Perdi a oportunidade na última vez em que o vi, vivinho da silva, no Espaço dos Satyros, há alguns anos, olhos brilhantes. Agora, se o fizesse, estaria sendo oportunista.
– Mas como alguém morre de soluço?, indaguei incrédulo.
Então a atriz de boa alma me explicou. O dramaturgo, depois de anos sem ser encenado, tinha um texto seu montado num teatro da cidade. Fora assistir a estreia e ficara indignado com a montagem. Nervoso e impaciente como ele só, saiu do teatro soluçando. E não parou mais. Foi ao médico que disse que ele estava muito estressado e que precisaria descansar.
Dias depois, soluçando, foi internado. Soluçando, entrou em coma, respirando com a ajuda de equipamentos. Desenganado, desligaram as máquinas e ele morreu. De soluço.
Então me lembro que havia recebido um e-mail da produtora da peça do dramaturgo recém falecido comunicando o ocorrido. Um texto melodramático informava que o dramaturgo tinha sido incompreendido pela imprensa, pela crítica e pelo mundo todo. E que seu grupo, faria uma apresentação especial do espetáculo destinando a renda à uma entidade carente. No final da mensagem, o serviço completo da produção do espetáculo: elenco, direção, teatro e etc.
Com os meus botões, fiquei pensando nas coisas que a gente faz quando as dores não nos pertencem. Primeiro, morre o dramaturgo, assistido num hospital público, provavelmente vítima de total abandono. Depois, a produção da peça do dramaturgo recém falecido que vê na tragédia mais uma forma de divulgar um trabalho. Realmente fiquei inconsolável.
– E agora?, perguntei à atriz de boa alma.
– Enquanto a peça estiver em cartaz, ele vai soluçar muito. Estando onde estiver, respondeu ela.