Este seminário convida a um percurso crítico e sensível pelos atravessamentos coloniais e raciais que moldam o sujeito e a clínica. Inspirado por pensadores e pensadoras como Neusa Santos Souza, Lélia Gonzalez, Isildinha Nogueira, Sueli Carneiro, Rita Segato, Achille Mbembe e Frantz Fanon, propomos um salto ético: repensar a psicanálise a partir do Sul global, das margens, das sobrevivências.
Em várias disciplinas, notadamente, psicanálise, filosofia, sociologia e antropologia, o Brasil fez irrupções de pensamento tão grandes que são capazes de iluminar questões que a Europa contemporânea já não consegue conter.
Em algum momento, a Europa quis assumir o trono imaginário da neutralidade e universalidade, enquanto o resto do mundo se agitava inquieto, tentando nomear as feridas de sua própria história.
Questões minoritárias de raça, sexo e classe e assuntos decoloniais estavam se tornando objeto de uma escuta cada vez mais atenta e menos hierárquica. Essa escuta tem sido feita, sobretudo, por vozes latino-americanas, africanas e asiáticas, embora ainda tentemos muitas vezes silenciá-las.
O mundo mudou radicalmente. O que a globalização não fez foi eliminar diferenças, apenas as amplificou para o centro da discussão. Não podemos mais acessar o mundo sem levar em conta sua complexidade, suas desigualdades estruturais, suas memórias coloniais. Aquilo que foi reprimido, subordinado, relegado às margens por séculos agora se escreve no centro dos discursos. Às vezes ainda contra resistência, mas irrevogavelmente.
O Brasil, em particular, encontra-se em uma posição contraditória a esse respeito. Uma nação de violência colonial e de desigualdades vis, mas também de uma capacidade de se reinventar que abrange samba, literatura, religiosidade, psicanálise e a rua. Essa fronteira, essa tensão, nos torna particularmente capazes de compreender a complexidade do mundo de hoje: não porque nossas riquezas e nossos males já estão atrás de nós, mas precisamente porque os vivemos dia após dia.
O convite é desencadeado, portanto, pela necessidade de abandonar a ilusão do topo – que não tem sido nada mais do que uma metáfora eurocêntrica – e entender que pensar o mundo hoje significa descer do pedestal para ouvir, olhar, ter o direito de errar, aprender. Como conclui Frantz Fanon no final de Os Condenados da Terra: “Não é na direção do progresso ou na direção da perda que nos movemos, mas é para outra espécie de homem”.
As feridas coloniais que durante séculos foram silenciadas retornam hoje como exigências: de escuta, de reconhecimento, de elaboração. Em psicanálise, filosofia, antropologia e sociologia, vozes latino-americanas, africanas, asiáticas e indígenas têm mostrado que o inconsciente não é neutro nem universal, mas atravessado por raça, território, gênero, memória e história.
Por uma psicanálise decolonial: um modo de habitar as ruínas do colonialismo e, delas, fazer brotar novas formas de escuta e cuidado.
Programa (28/11/2025):
10h30 – Conferência de abertura – Racismo | O Inconsciente tem cor
Com Isildinha Batista Nogueira.
15h às 16h – Roda de Conversa – Racionalidades Indígenas | Práticas Micropolíticas do Cuidado.
Com Suely Rolnik e Sassá Tupinambá.
16h às 17h – Roda de Conversa – Momento Coletiva | Corpas, Territórios e Desejo: Conversas Decoloniais.
Com Ana Lucia Bastos, Bruna Elage, Isildinha Baptista Nogueira, Ivam Cabral, Lilian Carbone, Luciana Chauí, Maria Vera Lucia Barbosa, Patricia Villas-Bôas e Roberta Kehdy
17h às 18h – Roda de Conversa – Encruzilhadas do Desejo | Gênero, Erotismo e Raça
Com Andrea Guerra, Alessandro Campos e Dedê Fatumma, com costuras poéticas de Paula Reis.
Palestrantes:
Alessandro de Oliveira Campos, Psicólogo, mestre e doutor em Psicologia Social pela PUC-SP. Supervisor clínico e professor no curso Migração e Saúde Mental da UNIFESP. Criador dos encontros de masculinidades Homem a Homem e professor/facilitador do programa E agora, José?, voltado ao enfrentamento da violência contra a mulher e à condução de grupos reflexivos com homens agressores. Integrante da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO). Autor do livro Tradição e Apropriação Crítica: metamorfoses de uma afroamericalatinidade. Pesquisador das relações étnico-raciais, gênero e latinidades. Treinel do Centro de Capoeira Angola Angoleiro Sim Sinhô.
Andréa Maris Campos Guerra, Psicanalista e professora no Departamento e no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde coordena o Núcleo @PSILACS (Psicanálise e Laço Social no Contemporâneo). Doutora em Teoria Psicanalítica pela UFRJ, com estudos aprofundados na Université de Rennes 2 (França). Bolsista de Produtividade 2 do CNPq. Coordena o Projeto Editorial Decolonização e Psicanálise, em parceria com a Editora n-1. Autora de diversos artigos e livros, entre eles Sujeito Suposto Suspeito: a transferência no Sul Global (2022) e Adolescências Plurais (2025).
Dedê Fatumma, Sapatão negra, percussionista, poeta e assistente social. Mestra em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismos (PPGNEIM/UFBA) e doutoranda em Estudos Étnicos e Africanos (PÓS-AFRO/UFBA). Autora de Lesbiandade, da coleção Feminismos Plurais. Atua na garantia de direitos das juventudes negras, LGBTQIAPN+ e da população em situação de rua. Seu batuque ressoou em projetos como Ayabas e IXI Malungo. Além de acompanhar Larissa Luz, criou os projetos Tambor Poesia Preta e OFÓ.
Paula Reis, Mulher negra, periférica, 50+, educadora popular, atriz e poeta. Artivista dos direitos humanos, com foco na defesa da mulher, da criança, do adolescente e na luta antimanicomial. Integra a Marcha das Mulheres Negras de SP, a União de Mulheres de SP, o Coral Cênico Cidadãos Cantantes e os blocos carnavalescos D. Yaya e Bonecões.
Sassa Tupinambá, terapeuta naturopata, com atuação fundamentada na metodologia das Racionalidades Médicas dos Povos Indígenas, especialmente Tupinambá e outros. É militante no GT Indígena do Tribunal Popular, no CAPISP e no Núcleo de Estudos Autônomos das Racionalidades Médicas dos Povos Tradicionais. Atua como pesquisador no Núcleo Opará/CLAEDS/FLACSO e cursa graduação em Biologia. Escritor e ativista, sua trajetória integra saberes tradicionais e pesquisa acadêmica, articulando-os na defesa da saúde, da cultura e dos direitos dos povos originários.
Suely Rolnik, Ativista do pensamento, voltada à resistência na esfera micropolítica: o modo dominante de produção da subjetividade, base de sustentação do sistema vigente. Seu trabalho situa-se em um campo transdisciplinar, indissociável de uma pragmática clínico-política. Atua como psicanalista, escritora, curadora (quando necessário) e é Professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUC-SP. É autora de nove livros, incluindo um em coautoria com Félix Guattari, e de mais de uma centena de ensaios publicados em diversos idiomas. Sua produção articula pensamento crítico, clínica e ação cultural, sempre atenta às forças que movem e modulam a subjetividade.
Coordenação e facilitação:
Isildinha Baptista Nogueira, Psicanalista, mestre em Psicologia Social pela PUC-SP e doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP. Fez sua formação em psicanálise nos Ateliers de Psychanalyse, em Paris, com Radmila Zygouris, uma das fundadoras da instituição. Autora do livro “A cor do inconsciente: significações do corpo negro” (Perspectiva, 2021), finalista do Prêmio Jabuti, publicado mais de 20 anos após a defesa de sua tese. Importante interlocutora nos debates clínico-políticos sobre o racismo na cultura e na psicanálise, contribui para pensar o lugar do corpo negro no inconsciente e na cena analítica. Seu trabalho articula a escuta clínica com a crítica social, evidenciando as marcas do racismo na subjetividade e desafiando leituras normativas da psicanálise. Sua reflexão ilumina a prática psicanalítica contemporânea, ampliando a compreensão sobre a experiência negra e suas reverberações psíquicas.
Ana Lucia Bastos, Psicóloga com graduação, mestrado e doutorado pelo Instituto de Psicologia da USP. Psicanalista, atua no Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, que coordenou no biênio 2020/22. Docente do curso “Fundamentos da Psicanálise e sua Prática Clínica” e coordenadora do núcleo “Psicanálise na Encruzilhada: o racismo em questão”. Integra também o grupo de trabalho Fomento às Ações Afirmativas do Sedes. Coautora de capítulos nos livros “Violência de Gênero e Ódio ao Feminino” (CRV, 2021) e “Psicanálise na Encruzilhada” (Hucitec, 2022). Foi professora e supervisora no curso de Psicologia da Universidade São Marcos (2002–2007). Atua em consultório particular há 30 anos. Integrante da Coletiva Psicanálise nas Brechas e do coletivo EscutaCrusp.
Bruna Elage, Psicóloga graduada pela PUC/SP, atua desde 2005 na área da Educação e Assistência Social com processos de formação e supervisão clínico institucional. Em 2008 foi uma das premiadas do Rumos da Educação, Cultura e Arte, do Itaú Cultural. Escreveu o livro “Formação de profissionais em serviços de acolhimento”, pelo Instituto Fazendo História. É uma das autoras da obra “Cada caso é um caso – a voz das crianças e dos adolescentes em acolhimento institucional”. Atualmente compõe a diretoria do IBEAC (Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário), a equipe do Núcleo Perspectivas e trabalha como psicoterapeuta psicanalista em clínica particular. Sócia da Empreendimentos Culturais, Educacionais e Sociais, fundada em 2015, é integrante do Coletiva Psicanálise nas Brechas.
Ivam Cabral, Doutor em Pedagogia do Teatro pela ECA/USP, mestre pela mesma instituição e graduado em Artes Cênicas pela PUC/PR, com especialização em Psicanálise pela UNIP. Ator, dramaturgo, escritor, psicanalista e cofundador da Cia. de Teatro Os Satyros. Como ator, recebeu diversos prêmios e apresentou-se em cerca de 40 países. Como psicanalista, colaborou com o projeto Apoiar (USP) e atende em consultório particular. Autor de livros publicados no Brasil e no exterior, teve textos editados em Angola, Cuba, EUA, Finlândia, Portugal, Polônia e Reino Unido. Finalista do Prêmio Jabuti e roteirista para cinema e TV. Dirigiu o longa-metragem “A Filosofia na Alcova”. Diretor Executivo da SP Escola de Teatro, instituição que ajudou a criar e consolidar, premiado no Brasil e em países como Cuba, EUA, Índia e Reino Unido.
Lilian Madalena Januário Carbone, Psicóloga e psicanalista, é mestre e doutoranda pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Atua em consultório particular há mais de duas décadas. É professora e supervisora do curso de Especialização em Psicossomática Psicanalítica do Instituto Sedes Sapientiae, onde coordenou o curso entre 2019 e 2023. Integra os Departamentos de Psicanálise e de Psicossomática Psicanalítica da mesma instituição, onde atualmente coordena o grupo de estudos “O pensamento clínico de Christophe Dejours”. É colaboradora da Memory Studies Association (Holanda) e da Coletiva Cinema e Psicanálise nas Brechas. Autora do livro “Sob a névoa da vergonha – um estudo psicanalítico” (no prelo), contribuiu também com capítulos nos livros “Psicossomática V – integração, desintegração e limites” e “Vozes da psicanálise – clínica, teoria e pluralismo”.
Luciana Chauí-Berlinck, Pós-doutora e doutora em Psicologia Clínica pelo IP-USP, mestre em Filosofia pela FFLCH-USP, psicanalista pelo Instituto Sedes Sapientiae e atua no Departamento de Psicanálise do mesmo Instituto, onde é docente do curso de extensão “Psicanálise e os olhares sobre Sexualidade e Gênero”. É autora dos livros “Melancolia: Rastros de dor e de perda”, “Novos andarilhos do bem: Caminhos do Acompanhamento Terapêutico” e “O Inconsciente”. Organizadora do livro “Sobre a Violência”, com textos de Marilena Chaui, e autora de diversos artigos e capítulos de livros. Atuou como docente na graduação em Psicologia em universidades como São Marcos e Mackenzie. Também lecionou no curso de Psicopatologia e Políticas Públicas da Faculdade de Saúde Pública da USP entre 2007 e 2016. Atua como psicóloga clínica e supervisora em consultório particular. Foi presidente da Associação de Acompanhamento Terapêutico de 2011 a 2016.
Maria Vera Lúcia Barbosa, Psicóloga e psicanalista. Mestre em Psicologia da Educação pela Universidade Federal de São Carlos e doutoranda em Psicologia Clínica pela PUC-SP, onde estuda a teoria de Christopher Bollas. Possui especialização em Psicanálise da Vincularidade de Família e Casal pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Atuou como professora em cursos de graduação e pós-graduação em diversas instituições, entre elas a Faculdade de Ciências Médicas de Rondônia, onde implantou e coordenou a Clínica-Escola de Psicologia e integrou o Comitê de Ética em Pesquisa. Atualmente dedica-se à clínica de adultos, casais e famílias em suas diferentes formas de constituição. Oferece supervisões e coordena grupos de estudos sobre o pensamento de Christopher Bollas. É integrande da Coletiva Psicanálise nas Brechas.
Patrícia Villas-Bôas, Psicóloga e mestre em Psicologia Social pelo IPUSP. Psicanalista, participa do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, onde também é docente nos cursos “Fundamentos da Psicanálise e sua Prática Clínica” e “Saúde Mental e Reforma Psiquiátrica”, que coordena. No Sedes, fundou e integra o núcleo “Psicanálise na Encruzilhada” e o grupo de trabalho “Acolhimento e Permanência”, de ações antirracistas. Coautora de capítulo no livro “Psicanálise na Encruzilhada: Desafios e Paradoxos perante o Racismo no Brasil” (Hucitec, 2022). Trabalhou no SUS em serviços substitutivos de saúde mental, como psicóloga e supervisora clínico-institucional no paradigma da luta antimanicomial. Atua há 32 anos em consultório com adultos, casais e supervisão. Compõe o coletivo EscutaCrusp e a Coletiva Cinema e Psicanálise nas Brechas.
Roberta Kehdy, Psicóloga pela USP e especialista em Psicologia da Saúde pela UNIFESP.
Psicanalista e atua no Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, onde é professora, supervisora e coordenadora do 1º ano do curso de Psicopatologia Psicanalítica e Clínica Contemporânea. Nesse departamento, integra os grupos de trabalho “Matrizes Clínicas da Psicanálise” e “Inquietações da Clínica Cotidiana”, voltados à reflexão crítica da prática. Atende em consultório particular desde 1996, inspirada por Winnicott e Bollas, com ênfase no cuidado ao sofrimento psíquico intenso e ao ciclo gravídico-puerperal. Atuou nos Projetos Terapêuticos (2000–2007) e no Instituto Gerar: Psicanálise, onde coordenou a clínica da especialização em perinatalidade e parentalidade.
Repensar a psicanálise a partir do Sul global, das margens, das sobrevivências
Centro de Pesquisa e Formação
16
Saúdecurso
atividade presencial
R$ 15,00 – Credencial Plena
R$ 25,00 – Meia entrada
R$ 50,00 – Inteira
Local: Centro de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo
Inscrições a partir das 14h do dia 28/10, até o dia 28/11. Enquanto houver vagas.
Data e horário
Inscrever
28/11 • Sexta • 10h30
Fonte: Sesc
