Rezar em Sao Paulo

Ivam Cabral, ator e dramaturgo

Eu não sei rezar. Mas tenho uma admiração tão grande pelas pessoas que rezam! Assim, com um misto de invídia e contemplação, adoro entrar em igrejas e observar aqueles que rezam.

Também gosto de fazer o sinal da cruz toda vez que passo em frente a uma igreja. Um jeito que encontrei pra não esquecer de mim. Fiz um pacto comigo e, muitas vezes, não é fácil cumprir a promessa. Principalmente quando estou acompanhado. Mas como pacto é pacto, vou cumprindo minha promessa.

Dentre as dezenas de embaraços, não sei porque, toda vez que passo em frente à Biblioteca Mario de Andrade eu faço o sinal da cruz. Mas não tem leitura pensada nesse ato, não. Faço porque sou bobo e me confundo com o prédio, pensando mesmo que é uma igreja. Pensando bem, agora, pode mesmo até ser, não é? Uma igreja!

Também tive que ser criativo, muitas vezes. Como a que estava com um grupo de artistas suecos e caminhávamos pela Praça Roosevelt. No momento em que cruzávamos a porta principal da Igreja da Consolação, todo o grupo olhava pra mim. Parei e fiquei conversando, esperando um momento para fazer o sinal da cruz. Quando percebi que eles não desviariam o olhar, criei uma dramaturgia. Eu sou um excelente cumpridor de promessas, é bom avisar.

— Sabiam que os católicos, aqui no Brasil, ao passarem em frente a uma igreja fazem o sinal da cruz?, informei enquanto deslizava meus dedos a partir da testa para o peito, em direção ao ombro esquerdo e, depois, ao direito.

Também entro em toda igreja com porta aberta que vejo pela frente. Mas só entro quando não tem celebração, quando a igreja está vazia. Principalmente no verão das tardes quentes. Uma delícia! Não sei por que, mas é curioso. Toda igreja é muito fresca. Primeiro, eu pensava que isso tinha a ver com arquitetura porque elas sempre têm o pé-direito muito alto. Mas, não!

Durante a pandemia eu passei um longo período trabalhando em home office, a partir da minha casinha em Parelheiros, no meio do mato. Assim, as igrejas do bairro também passaram a ser lugares que eu adorei conhecer. Mas lá, só temos uma igreja católica, a Capela de Santa Cruz, bem no coração do bairro, construída em 1898. Então o negócio foi conhecer as igrejas evangélicas, muitas delas estabelecidas em salões improvisados, com pé-direito baixo e acomodações precárias. Mas não é que o frescor e aquele ar geladinho também residem nesses templos? Curioso, não acham?

Contudo, eu falava que não sei rezar. Mas, toda vez, insisto em alguma oração. E, curioso, só rezo na segunda pessoa. E trato Jesus e Maria e os anjos todos como tu. Não dura muito, além de umas pequenas frases, porque é difícil conjugar os verbos na segunda pessoa. Quando você vai pra segunda do plural, o vós, então, socorro!

Nessas horas eu fico em silêncio e procuro não pensar em nada. É que, verdade verdadeira, eu também não tenho uma religião. E, nos últimos muitos anos, nem sei se acredito tanto em Deus, assim. Poderia dizer que me aproximo mais do budismo, desde que fiz uma viagem incrível à Ásia, uns dez anos atrás, e conheci o Camboja. Foi bem reveladora essa viagem. Aprendi, principalmente, a compreender a importância do silêncio.

Faz pouco tempo, acho que foi depois que comecei a frequentar as igrejas evangélicas de Parelheiros, que eu decidi que a minha reza seria o silêncio. Combinei antes:

— Deus, toda vez que ficar em silêncio em uma igreja, estarei em louvor a ti.

Sim, pensei em segunda pessoa. Fiz essa combinação com Deus, um pouco pra me livrar dos constrangimentos. Foi aí que passei a não pensar em nada e buscar o silêncio absoluto.

Mas as minhas igrejas preferidas estão no centro da cidade. O Mosteiro de São Bento é a minha igreja do coração. Mas não é a mais silenciosa. A mais silenciosa, pasmem, é a Catedral da Sé. A mais barulhenta é a Igreja de Santo Antonio, na Praça do Patriarca. E faz sentido. Porque Antonio é o santo casamenteiro, não é? E acho que as pessoas, nesses tempos, estão querendo muito se casar e por isso sempre tem muito entra e sai e burburinho por lá. Lá, já encontrei com moças vestidas de noiva rezando. Mais de uma, juro. Assim, normal, na tarde de um dia qualquer da semana, como se nada mais existisse no mundo, lá estava ela, ajoelhada bem no meio da igreja, chorando.

Me lembro que nesse dia eu chorei também. Fiquei sentado logo atrás da moça, enquanto ouvia seus soluços. Nossa, deu um aperto no coração!

Mas eu acho que fui injusto ao dizer que a Sé é a igreja mais silenciosa. Porque existe, ali no centro, na rua Conselheiro Crispiniano, a capela do Apostolado Litúrgico, este, sim, o mais silencioso lugar de oração da cidade de São Paulo inteirinha. Não a coloquei em primeiro lugar porque não sei direito se é uma igreja. É que o Apostolado da Oração é uma loja de artigos religiosos católicos que tem uma capela bem no seu interior. É, também, a principal boutique de roupas e assessórios para padres. Sim, os padres também têm locais onde compram suas batinas e paramentos litúrgicos. Inclusive, numa das vezes que estive lá, tem anos já, enquanto eu me dirigia à capela, esbarrei com o Padre Marcelo Rossi que estava fazendo compras.

É curioso, mas o centro da cidade possui muitas lojas de vendas de produtos para religiosos católicos como a Gladys e Guttie, as duas na Ladeira Porto Geral; Arte Sacra Renovação e Sacro Santo, ambas na Praça da Sé; a Clemente Marchisio, na rua Direita; e a Paulinas, na Quinze de Novembro. Eu conheço todas! Porque, mesmo não tendo religião direito e não sabendo rezar, eu amo artigos religiosos. Tenho coleção de terços, de imagens de santos e até de lamparinas flutuantes, aquelas que você acende a vela mergulhada em um pouquinho de água e muito azeite.

Mas eu comecei esse texto disposto a falar de coisas que gosto em São Paulo. Eu deveria ter elencado aqui os restaurantes que eu gosto, os teatros mais legais, ou até falar da Megafauna, a livraria mais incrível, inaugurada no final de 2019, no Edifício Copan.

Verdade mesmo é que São Paulo me confunde. Porque eu nunca consigo decidir se prefiro o meio do mato em Parelheiros ou o burburinho da rua Augusta. Se prefiro os spaghetti à carbonara alla Marianina do Famiglia Mancini, o fufu do chef Pitchou Luambo do Congolinária ou o ásia do Mestiço.

Na dúvida, melhor falar em rezas, porque eu acho que a gente está precisando de boas energias. São Paulo merece, acima de tudo, nosso abraço mais fraterno por ser essa cidade acolhedora e solidária (viva o Padre Lancelotti!), apesar de não te convidar a sentar. Sim, na região da Praça da República não há bancos. Mas isso é o que a gente fez com ela, não é? E é assunto pra gente falar com a prefeitura.

Parabéns, minha São Paulo mais amada. Vou ficar em silêncio por você no dia 25. Feliz aniversário!

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