Já fiz a minha retrospectiva, desenhando com cuidado e detalhes o ano que passou. Nomeei acontecimentos, registrei datas, enumerei encontros, projetos, deslocamentos. Mas agora, com um pouco mais de silêncio, me ocorreu pensar no que, de fato, foi realmente relevante. Não o que aconteceu, mas o que permaneceu. Não o que brilhou, mas o que sustentou. Não o que foi visível, mas o que operou em silêncio enquanto tudo acontecia.
2025 não foi um ano fácil de atravessar. Ele pediu presença. Não a presença performática, nem a produtividade exibida, mas aquela que exige o corpo inteiro, o pensamento atento e uma disposição rara para não fugir quando o peso aumenta.
Houve muito trabalho, é verdade. Mas não daquele que se mede em horas, resultados ou metas cumpridas. Foi um trabalho mais profundo, quase invisível. Sustentar processos, cuidar de pessoas, insistir em ideias, fazer escolhas difíceis quando seria mais simples adiar. Um trabalho que não rende aplauso, mas deixa marcas.
O ano começou em deslocamento. O México não foi paisagem, foi experiência física. Um território que ensinou mais pelo excesso do que pela explicação. Voltei diferente. Não transformado, mas deslocado o suficiente para perceber que algumas certezas já não serviam.
Ao longo do ano, a casa também mudou. Lupita e Bernardo chegaram e reorganizaram tudo: horários, silêncios, afetos. Filhotes têm essa sabedoria brutal de nos arrancar do excesso de pensamento e nos devolver ao gesto simples. Alimentar. Cuidar. Brincar. Amar sem negociar.
A escrita seguiu como lugar de permanência. Um texto meu e do Rodolfo atravessou oceanos, mudou de língua, encontrou outros corpos. “A Neve do Brasil – Anna, Você Pode Ficar” virou “Snön i Brasilien – Anna, Du Kan Väl Stanna” e ganhou vida no Unga Klara, o teatro municipal de Estocolmo, diante de um público atento e de uma crítica sensível à travessia. Há algo profundamente comovente em perceber que uma palavra pode sobreviver ao deslocamento. E continuar dizendo algo que não depende mais apenas de quem a escreveu.
Cinema, psicanálise, pedagogia e teatro se cruzaram o tempo todo. Às vezes em harmonia, às vezes em fricção. Houve encontros luminosos e também embates necessários. Nomear o que precisa mudar, abrir espaços para outras vozes, aceitar o desconforto como parte do pensamento. Quando um espaço transborda, quase sempre é porque havia algo represado.
Os livros, os artigos, os prêmios não foram pontos de chegada, mas marcas no caminho. Sinais de que a travessia não foi solitária. Nada ali se construiu sozinho.
Na SP Escola de Teatro, o mundo entrou pela porta da frente. Estudantes foram e voltaram diferentes. Professores chegaram de longe. Métodos foram tensionados. Ensinar e aprender voltaram a ser verbos perigosos. E, por isso mesmo, vivos.
No teatro, o palco seguiu sendo esse lugar onde o presente aparece sem maquiagem. Espetáculos que viajaram, provocaram, dividiram. Arte viva nunca é consenso. Ela pulsa justamente porque incomoda.
E quando o ano se aproximou do fim, não houve sensação de encerramento, mas de culminância. A cidade ocupada por corpos diversos, linguagens misturadas, gerações convivendo. Um lembrete de que cultura não é ornamento: é forma de estar junto.
Mas, repito: não foi um ano fácil. Houve exaustão, dúvidas, medo de não dar conta. Mas houve algo decisivo: sustentação. Gente que ficou. Gente que segurou. Gente que lembrou, nos momentos mais difíceis, que ninguém atravessa sozinho.
Se eu tivesse que dizer o que realmente importou em 2025, talvez não fosse um projeto, um prêmio ou um número. Talvez fosse isso: ter permanecido. Com afeto. Com ética. Com companhia.
O resto foi acontecimento.
