Esta semana, numa dessas conversas de corredor que, por vezes, são mais densas que um seminário inteiro, eu e Danilo Stavale – companheiro de jornada na SP Escola de Teatro – tropeçamos, como quem não quer nada, no assunto do nosso ofício. Falávamos sobre o teatro, esse lugar onde a realidade se desdobra em ficção para depois retornar ainda mais aguda ao que chamamos de vida. E entre um comentário e outro, eu me peguei defendendo uma ideia que me atravessa como convicção e como urgência: a importância da pesquisa.
Não falo de pesquisa como um luxo acadêmico ou um adorno teórico para enfeitar currículo. Falo de pesquisa como o oxigênio que mantém vivo o nosso olhar sobre o mundo. Falo da tradição que só tem sentido quando atravessada pelo contemporâneo, não como relíquia, mas como provocação. Um teatro que estuda porque precisa respirar. Que pesquisa porque quer entender por que seguimos aqui, insistindo nesse palco, nessa arena, nessa trincheira de luz e sombra.
Eu dizia a Danilo do meu momento atual – um mergulho fundo, de fôlego longo, num pós-doc. E não é por vaidade ou formalidade. É porque, neste tempo em que tudo parece tão raso, eu sinto a necessidade quase física de aprofundar. De cavar perguntas. De me deixar atravessar por outras formas de pensar o mundo. Talvez seja uma tentativa de resistir a essa época de respostas fáceis e opiniões baratas.
Danilo, com aquele olhar de quem escuta de verdade, me devolveu uma informação que me pegou de surpresa: “Seu Curriculum Lattes tem quase cem páginas”, disse ele, entre o riso e o espanto.
Confesso: fui conferir. Lá estava ele, parado no tempo, sem atualização há dois anos. Ainda assim, um pequeno calhamaço de histórias, projetos, aulas, espetáculos, artigos, conferências e delírios metodológicos.
E ali, diante daquela lista que mais parece uma arqueologia da minha vida profissional, me faltou o ar por um instante. Não por cansaço, mas por reconhecimento. Porque se tem uma coisa que eu fiz nesta vida – e sigo fazendo com alegria quase infantil – foi trabalhar. Trabalhar muito. Trabalhar como quem dança. Como quem respira. Como quem, ao final de cada dia, agradece por ter encontrado, no ofício, uma forma legítima de estar no mundo.
E é curioso pensar nisso: quando se faz o que se ama, o verbo “trabalhar” deixa de ter o peso que o senso comum costuma lhe dar. Ele vira companhia. Vira divertimento. Vira jeito de viver.
Então, ao final daquela conversa com Danilo – e depois, ao encarar meu próprio currículo como quem reencontra um velho amigo – me dei conta: tá tudo certo. O teatro segue me exigindo estudo, pesquisa e entrega. E eu sigo inteiro, disposto, com o Lattes desatualizado e o coração, felizmente, em permanente estado de atualização.