REFLEXÃO | Aquilo que Fica

Ontem fiz aniversário. Sessenta e duas voltas em torno do sol. E, apesar do corpo registrar o tempo, há sempre algo de espanto quando se percebe que se chegou até aqui. Não por acaso. Mas também não por garantia.

 

A palavra que me atravessa hoje é agradecimento. Agradeço, sim — mas sem misticismo fácil ou solenidade demais. É um agradecimento à trama complexa que me trouxe até aqui. À natureza, que nunca deixou de me lembrar que tudo é processo. À minha ancestralidade, que me ensinou, antes de tudo, a suportar. À família e aos amigos que sustentaram as pontes quando tudo parecia ruir. Ao Rodolfo, que é presença e travessia. E à vida, que apesar de tudo — ou por causa de tudo — não me quebrou.

 

Venho de um início improvável. Um menino pobre, numa equação social que prometia pouco. Era fácil dar errado. E talvez essa tenha sido minha primeira motivação. A cada desvio, uma chance de não repetir o script. Fui, por algum tempo, do mercado financeiro. Tentativa de estabilidade, talvez. Mas a cena me chamou. E hoje sou homem de teatro. É nesse lugar de exposição e construção coletiva que fiz morada.

 

O que me parece mais difícil, olhando agora em retrospecto, foi conquistar o respeito. Ele não vem com títulos nem com o tempo. Vem com coerência. E manter-se coerente num mundo que muda de tom a cada estação exige mais que força. Exige escuta, exige dúvida. Principalmente quando se está à frente de decisões. Porque, além das suas próprias incertezas, há as expectativas dos outros. E quase nunca se tem controle sobre isso.

 

Há uma vida que nos ultrapassa, que nos representa por aí — e sobre essa pouco podemos. Mas há a outra, a que acontece dentro. Essa, sim, é vastíssima. E foi quando parei de me defender dela que alguma paz começou a acontecer. Um certo entendimento de que permanência não é rigidez, mas um modo de seguir com menos ruído.

 

Hoje, estou em paz comigo. Não porque tudo esteja resolvido. Mas porque aprendi a caminhar mesmo sem todas as respostas. E isso, talvez, seja tudo.

 

A vida tem sido emocionante. E isso basta.

 

Viva a vida!

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
Post criado 1869

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