Os ipês da Praça Roosevelt floresceram todos. Este ano, sim. Ano passado, alguns deles não. Como se guardassem para si algum segredo, um pudor de árvore, recusando-se a vestir-se de cor diante de uma cidade que tantas vezes os ignora. Um deles é meu filho. Fui eu quem o plantou. Por isso o acompanho com interesse.
Lembro bem. Sua primeira florada foi no ano retrasado. Foi um espetáculo breve, mas arrebatador, como a estreia tímida de um artista que, mesmo inseguro, já carrega dentro de si a grandeza da cena. Agora, voltou a se enfeitar. Está lindo, ainda que menos exuberante do que da primeira vez. É jovem, afinal. Tem muito a aprender com o tempo. E o tempo, sabemos, é mestre exigente.
Quando o vi florir pela primeira vez, imaginei que dali em diante seria sempre assim. Todo ano, um presente de poesia na aridez do centro da cidade. Mas não é assim que funciona. No ano passado, talvez, esteve triste. E não lhe faltaram motivos. A praça que o abriga anda esquecida, entregue a uma zeladoria que não vê a alma do lugar. Até criaram projetos de paisagismo, é verdade, mas parecem desconhecer o coração do local. Esqueceram que ali pulsa uma ágora, um palco vivo de encontros humanos. E não só. Meus cachorros sempre se divertem ali.
Agora, como se não bastasse a negligência, trouxeram plantas que brilham à primeira vista, mas escondem armadilhas. Palmeira Cica. Clusia Rósea. Belas, exuberantes. Mas altamente tóxicas para cães e gatos. Que gesto é esse? Que cidade planta veneno em espaços de convivência? No cachorródromo do Parque Augusta é a mesma história. Clusias por todo lado, como se o paisagismo fosse apenas desenho para os olhos, sem corpo, sem pele, sem bichos, sem gente.
O ipê resiste. Entre flores e silêncios, insiste em nos lembrar que a beleza é sempre possível, mesmo nos terrenos áridos do descaso. E que não basta enfeitar a praça com folhas exóticas. É preciso cuidar daquilo que é comum, daquilo que respira conosco.
Penso que o ipê da Roosevelt é, de algum modo, um espelho da própria cidade. Ele floresce quando pode, quando lhe permitem. Só uma vez por ano, para anunciar a primavera. Ele tem seus anos de silêncio, suas pausas de tristeza. Como a gente. Mas, ainda assim, insiste em existir. Exatamente como nós.