Fui buscar no Google a definição de família para começar este texto. Encontrei na Wikipedia um conceito do psicólogo argentino Salvador Minuchin, conhecido por elaborar um importante modelo de terapia familiar. Ele afirma:
“A família representa um grupo social primário que influencia e é influenciado por outras pessoas e instituições. É um grupo de pessoas, ou um número de grupos domésticos ligados por descendência (…) Nesse sentido, o termo confunde-se com clã. Dentro de uma família existe sempre algum grau de parentesco. Membros de uma família costumam compartilhar do mesmo sobrenome, herdado dos ascendentes diretos. A família é unida por múltiplos laços capazes de manter os membros moralmente, materialmente e reciprocamente durante uma vida e durante as gerações.”
Confesso que, quando pensei em trazer aqui uma definição do termo, o que menos queria era entrar na questão do grau de parentesco. Por um momento, achei que devesse passar por cima do conceito e ir diretamente no Houaiss e buscar o seu significado empírico, pura e simplesmente. Mas imagino que encontraria ali algo como “pessoas que vivem sob o mesmo teto” ou “grupos de pessoas com características parecidas” e etc.
No entanto, pensar na família a partir da ideia do clã, do sobrenome, acabou me parecendo, afinal, mais interessante. E, com isso, quero, na verdade, refletir sobre um dos últimos episódios ocorridos em nossa Instituição, a SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco, na semana passada.
E – breve adendo –, há, certamente, algo de emotivo nesse meu texto. Confesso que não consigo ir muito além da emoção. Mas vou tentar, na medida do possível, contextualizar um pouco o que se passa.
Minha família – esta nova, criada a partir do projeto da SP Escola de Teatro – andou com alguns “problemas de ordem” nos últimos tempos. E coisas que poderiam ser corriqueiras, acabaram tomando proporções inusitadas.
Nossa Escola atende, atualmente, perto de 1.300 pessoas por ano, entre seus Cursos Regulares e de Extensão Cultural, em três sedes distintas (Brás, Praça Roosevelt e Rego Freitas). A equipe – direção, formadores, administrativo e etc – ultrapassa, há tempos, mais de uma centena de profissionais. É normal que “acidentes de percurso” acabem ocorrendo.
Assim, na quarta-feira passada (4), e após longas discussões, resolvemos – nós, direção, e as várias equipes da Escola – sinalizar este momento. Hasteamos um tecido vermelho – em sinal de alerta – e um outro, preto – pelo luto – nas três unidades da Escola.
No dia seguinte, eu estava trabalhando em minha sala no prédio da Praça Roosevelt quando recebo uma ligação de Joaquim Gama, nosso coordenador pedagógico, que está visivelmente emocionado. Anuncia que eu precisava ver algo que está acontecendo no Brás.
Fico preocupado. Mas é o pessoal da Comunicação da Escola que, imediatamente, me coloca em contato direto com o que eu “precisava ver”. Fazemos uma conexão via FaceTime, pelo celular, e eu começo a receber as primeiras imagens. Me surpreendo com uma música triste e, aos poucos, percebo os aprendizes de Atuação numa intervenção pelo espaço.
As imagens são fortes. Imediatamente, eu me arrepio e sinto um nó apertar a minha garganta. Com seus corpos tatuados com estímulos e provocações; parafusos e papel higiênico saindo, como diria Caetano Veloso, pelos “sete buracos” de suas cabeças – olhos, boca, nariz e orelhas –, nossos futuros atores estão espalhados por toda a Escola e o que acontece ali é surpreendente.
Os contratempos que se puseram em nossos caminhos recentemente eram coisas de cotidiano; banais, diria. Vasos sanitários entupidos com papel higiênico, riscos em algumas mesas, parafusos retirados do elevador, etc. E, artisticamente, os aprendizes de Atuação resolveram se manifestar pela paz. Ou, antes, conclamar a todos para uma discussão política, no melhor dos sentidos, refletindo sobre como tratamos o espaço que nos atende (um dos corpos, por exemplo, exibia a seguinte sentença: “como você trata o que é público?”).
Então, nesse momento, o sentido da família se fez presente. O ápice da intervenção, para mim, é quando os aprendizes, concentrados no pátio, deitam-se no chão e, aos poucos, coordenadores e formadores, dentre outros, se juntam a eles. Plural e uno, ao mesmo tempo; arte e exercício de cidadania, em uma só forma.
Vendo tudo pelo celular, aqui, na Roosevelt, me compete fazer o mesmo. Solitariamente (mas, em paradoxo, acompanhado por centenas de corpos e vozes e almas e sonhos), me deito no chão com a maior emoção do mundo.
Vivemos uma catarse na última quinta (5). Nunca viver na arte foi tão intenso e emocionante.
Foi bonito… nunca ficou tão claro pra mim o quanto a ação de alguém pode se multiplicar, basta que um comece para que a voz de todos os que tem algo para dizer apareça. Foi bonito…
tão, mas tão emocionante este momento… obrigado por tanto amor…
:-))