CRÍTICA | “Os Condenados”: sombras e reflexos dão o tom exuberante de novo espetáculo dos Satyros

Peça “Os Condenados” tem estilização cênica aos moldes do teatro simbolista.

Por Marcio Aquiles

Desde o início, uma série de analogias marca “Os Condenados”, novo espetáculo da Cia. de Teatro Os Satyros. As pombas humanas que surgem na Praça das Condenadas, em São Paulo, e começam a se proliferar velozmente pela cidade podem facilmente ser identificadas como uma metáfora, respectivamente, para os usuários de crack e a Praça Princesa Isabel (ou a Júlio Prestes), reduto dos dependentes crônicos. Esses seres antropomórficos “comem laranjas e deixam os bagaços jogados pelos canteiros”, tais quais os personagens de uma peça marcante do grupo, “A Vida na Praça Roosevelt” (2005), mais uma referência bem sugestiva.

A dramaturgia de Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez, contudo, não permite saídas fáceis. Se no começo da peça as pombas são marginalizadas, precisam ser alimentadas e ganham abrigo de Antena (Julia Bobrow), depois irão se disseminar pelo mundo e conquistar poder, até uma delas ser eleita como primeira-ministra da Rússia. Assim que a primeira delas, Rusga, vai morar na casa, coloca a protagonista para dormir na sala, de modo a trazer mais pombas para aquele lar. Essas variações entre os papéis de oprimido e opressor quebram com maniqueísmos aparentes.

As referências à situação global contemporânea são várias: a pandemias (as pombas serão acometidas por uma doença infecciosa), o reacionarismo crescente (cria-se uma sociedade antipombas em Ipanema, “para proteger a vida em comunidade, a cultura e modo de vida do bairro”), entre outras. No microcosmo de Antena, por sua vez, os dramas individuais dominam o enredo: a solidão, a depressão, a idealização que ela faz da falecida avó.

Marcia Dailyn “Os condenados”, dos Satyros. Foto: André Stéfano.

A narrativa é polissêmica, com múltiplos sentidos, porém simples e sintética – São poucas personagens, as cenas são diretas e dinâmicas. Trata-se de um texto sóbrio elaborado a serviço de uma montagem exuberante. Com a plateias do Espaço dos Satyros disposta em sentido longitudinal, o diretor Rodolfo García Vázquez construiu vários nichos de encenação, com antecâmaras frontal e laterais, uso do terraço externo superior, do portão metálico à janela, tudo é incorporado criativamente pela cenografia.

O desenho de luz é magnífico, trazendo à memória a todo instante a reconhecida característica do grupo em produzir ambiências sofisticadas com baixos orçamentos. Lâmpadas quentes e caixas plásticas transformam o teatro numa gaiola. O lindo espelho de “A Filosofia na Alcova” (2003) – mais uma reminiscência – transverte a iluminação num corredor de reflexos. O trabalho com teatro de sombra, um dos destaques do espetáculo, é minucioso. Os figurinos e o design de aparência (Adriana Vaz) reforçam essa atmosfera sombria e hitchcockiana.

Julia Bobrow e Eduardo Chagas em “Os Condenados”

Quando ouvimos o nome da protagonista, é difícil não pensar na célere frase de Ezra Pound, “os artistas são as antenas da raça”, o caminho que Os Satyros têm trilhado desde 1989. Ao variado repertório do coletivo, que já transitou pelo hedonismo libertário, pelo engajamento político-filosófico, pela militância social e defesa das pautas indenitárias, do drama histórico ao niilismo performativo, some-se agora essa montagem estilizada com densos tons simbolistas.

@marcioaquiles

Serviço
Os Condenados
Espaço dos Satyros (Praça Franklin Roosevelt, 214)
Sextas e sábados às 21h, domingos às 19h; até 25 de setembro

 

Fonte: A Vida no Centro 

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