Dude São Thiago tem um disco que se espalha pela casa como cheiro de chuva. “O Sexo do Vento”, álbum duplo de 18 faixas, gravado em estúdio, nasceu dos palcos, mas não depende das coxias: basta o play e o ar parece engrossar com sal e maresia.
Herdeiro dos velhos cantores-atores – daqueles que aprenderam, nos cabarés franceses de Boris Vian, nos anos 1950, e depois, aqui no Brasil, a partir dos anos 1970, com a parceria de Maria Bethânia e Fauzi Arap, que a voz pode ser gesto – Dude mistura canção, poesia e minidrama sem costuras aparentes.
O disco reúne clássicos da música popular brasileira. Logo nas primeiras curvas surge “Bicho de Sete Cabeças” (Geraldo Azevedo, Renato Rocha e Zé Ramalho), que recebe o poema “Os Pardais”, de autoria de Dude, e o lamento nordestino ganha asas literárias e voa rente ao mar, anunciando que cada faixa ali dentro carrega sua própria pequena tempestade.
O mesmo truque, nunca igual é bom pontuar, reaparece em “Bachianas Brasileiras nº 2” (Villa-Lobos), que embala o poema “Vai Menino”, também escrito por Dude, num balanço quase infantil. “Invento”, de Vitor Ramil, virada em réquiem fumegante, é bálsamo travestido de milonga-quase-bolero. “Charme do Mundo”, de Marina Lima e Antônio Cícero, que, aliás, abre o disco e agora despojada e felina, é groove de bar fechado depois das quatro da madrugada.
O momento de virada, porém, é “Magrelinha”. A canção solar de Luiz Melodia torna-se noite sem aviso: sax sussurrado, contrabaixo insinuante, o poema “Povo Pálido” – mais um texto criado pelo intérprete – plantado no meio. O resultado lembra calçada molhada sob poste baixo, onde um resto de jazz prolonga a conversa.
Arranjos, direção musical, timbres – tudo parece respirar junto, como quem corre e depois encosta no parapeito para recuperar o fôlego. Não há enfeite supérfluo: cada detalhe empurra a narrativa um passo adiante.
Molhado do início ao fim, crepuscular como praia fora de temporada, “O Sexo do Vento” confirma Dude São Thiago como guardião de uma linhagem que ignora a fronteira entre palco e fonograma. O disco convida não só a ouvir, mas a enxergar cenários, luzes, movimentos. E, no último acorde, fica decretado: aqui o vento não é metáfora. “Grávida”, de Arnaldo Antunes e Marina Lima, encerra o disco com um sopro que beira o orgasmo. Tem corpo, pulsa, sopra histórias que só a noite entende.
.