Brasileiros tentam entender o momento atual de Cuba através da Première Latina
RIO – De um lado estão aqueles que consideram a sociedade cubana engessada por um sistema político atrasado. Do outro estão os que ainda sonham com os avanços que a revolução comunista proporcionou à ilha. Porém, entre esses dois lados de brasileiros, há aqueles que saem do campo das ideias e resolvem conferir com seus próprios olhos – e lentes – o que é a Cuba contemporânea. Os diretores Evaldo Mocarzel e Renato Martins estão nesse último grupo.
Os dois são responsáveis por documentários rodados em Cuba, ambos selecionados para a mostra Première Latina do Festival do Rio. Em “Carta para o futuro” (sessão hoje, às 17h, no Cinema Nosso), Martins acompanha sete anos da rotina de uma família de Havana, alternando as imagens atuais com as de filmes caseiros em 8mm.
– Eram conflitos o tempo todo. Lá, o povo fica entre as loas à revolução e a necessidade de se fazer algum trabalho por fora para complementar a renda – diz Martins. – O importante é que queríamos fugir da questão política, apesar de sabermos que é difícil falar de Havana sem passar pela política. Buscamos ouvir o que a família cubana pensa de tudo aquilo.
Já em “Cuba libre” (sessão hoje, às 19h30m, no Ponto Cine), Mocarzel viajou para Havana ao lado da atriz cubana Phedra de Córdoba, do grupo paulistano Satyros. Ela não pisava na ilha havia 53 anos, e seu retorno serve como ponto de partida para se discutir o tratamento aos homossexuais em Cuba.
– Cuba vive sobre um barril de pólvora, num momento de transformação – afirma Mocarzel. – Há uns dois anos, a Mariela Castro, filha do Raúl Castro, conseguiu que se baixasse um decreto de aceitação da diversidade sexual na ilha. E o próprio Fidel, que destruiu inúmeras carreiras ao mandar gays para plantações de cana só por eles serem gays, já pediu desculpas.
Ambos os diretores tiveram que driblar algumas das regras da ilha para rodar seus filmes. Martins foi a Cuba pela primeira vez em 2003, para exibir seu curta “Atrocidades maravilhosas” no Festival de Havana. Desde então, tem retornado com uma equipe pequena, sem autorização oficial do governo. Para justificar sua entrada no país, ele costumava dizer no aeroporto que era estudante de cinema.
– Em 2004, quando começamos a rodar o documentário, as pessoas tinham um discurso de esperança, mas em 2010 eu já senti essa esperança em xeque. Passam os anos, e eles enfrentam problemas recorrentes em suas vidas – diz Martins. – Mas eu adoro Cuba. O fascínio da revolução é muito grande. Eles pagam um preço alto por suas utopias, sobretudo com o bloqueio econômico americano. É uma maldade que esse bloqueio continue de pé.
Mocarzel, por sua vez, foi a Havana ao lado de Phedra, como convidado do Estado. Ainda assim, nem sempre podia rodar a cena que queria: o Partido Comunista não permitia que entrevistas sobre homossexualidade fossem feitas em seus prédios.
– Há muitas paranoias. Fomos num clube de travestis que é proibidíssimo lá. Um tenente-coronel nos ajudou, mas fez isso escondido do partido – conta o diretor, que foi pela primeira vez a Cuba nos anos 1980, antes do colapso do comunismo. – Cuba está mudando, mas ainda faltam muitas coisas a serem feitas.
Fonte: André Miranda, O Globo, 11/10/2011.