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Nós merecemos o mundo

Estou, neste momento, na Rede de Expressos em Sete Rios, aguardando o ônibus que me levará a Rio Maior. Cheguei com alguma antecedência e tenho um tempo para escrever. Está chovendo lá fora.

Sentado num banco bem em frente às partidas, vou acompanhando algumas despedidas. Como a de uma senhorinha há pouco que ficou abraçada a um rapazote por um tempo grande. Enquanto via o abraço, fui criando dramaturgias para a cena. Uma avó despedindo-se do neto ou uma tia-avó dando adeus ao sobrinho? Mãe não pode ser. Ela tem perto de setenta anos, ele uns vinte e pouquinhos. Quando, enfim, terminaram o abraço, ela chorava. Tinha um lenço branco entre as mãos. Ficou parada a olhar o ônibus que partia. Não consegui mais ver o moço.

Esta estação, em Sete Rios, não é pequena. Daqui, além de ônibus que seguem para o interior do país, existem os destinos internacionais também. Em geral, as passagens de ônibus são mais baratas do que as de trens. Então, quem está aqui, está tentando economizar. Há excessões. No meu caso, por exemplo, não há outra forma de chegar a Rio Maior através de transportes públicos.

Observo agora dois rapazes, entre os 25 e 30 anos. Estão em pé, ao lado da minha mala, grudada no banco onde estou sentado. Não são portugueses e falam em castelhano. Bisbilhotando suas conversas, descubro que estão indo para Barcelona. Opa, são argentinos, de Buenos Aires, estiveram em Bariloche recentemente. Vou imaginando dramaturgias pra eles também. Dois irmãos que viram a crise econômica de seu país destruir a família e seus sonhos, e que partiram agora para a Europa para reconstruir suas vidas…

Quando um, das muitas dezenas de ônibus, pára na plataforma, imediatamente as pessoas saem correndo em direção a ele e logo um bololô se forma ali. Tudo muito rápido, vão entrando um a um dentro do ônibus, que não fica parado nem quinze minutos.

Uma mulher agora passa rápido por mim, está chorando. Um homem vem atrás dela:

— Não faças isso comigo, Ana, não sejas parva.

Até quando ele chamou a Ana de parva, eu torcia por ele. Embora num tom carinhoso, é o macho alfa determinando o destino da fêmea submissa. Chega, isso mesmo, Ana, esquece esse moço e vá ser feliz. Você nunca mais se submeterá a nada! E, olhando melhor, ele nem é tão interessante assim, você é infinitamente mais bonita que ele. Força, Ana, você merece o mundo!

O ônibus para Rio Maior encosta na plataforma, no mesmo instante em que, na minha playlist “Portugal 2018” do meu Spotify, o piano de Pedro Abrunhosa introduz “Se eu Fosse um Dia o seu Olhar”.

Rio Maior, lá vou eu!

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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