NA MÍDIA: PEÇA CABARET STRAVAGANZA ANALISA A INSATISFAÇÃO INERENTE À HUMANIDADE

Nesse novo universo, o homem é capaz de transformar-se e adotar características virtuais

por Bruno Motta Mello

“Hoje, paradoxalmente, para discutir o humano, o teatro deve ir para além do humano, para o universo tecnológico, como forma mais poderosa de expressar a condição de humanidade expandida”
– Rodolfo García Vázquez, diretor e co-fundador da Cia de Teatro Os Satyros

O desenvolvimento constante de novas técnicas e tecnologias, que prometem aprimorar a qualidade de vida do homem e torná-lo menos insatisfeito, não são suficientes para extirpar as inquietações inerentes a qualquer ser humano. Em um sistema onde tudo, inclusive as pessoas, tem valor de  mercadoria, vivemos a incansável busca para entender o nosso papel no mundo.

Com direção de Rodolfo García Vázquez e dramaturgia de Maria Shu, Cabaret Stravaganza procura estabelecer o diálogo sobre o infinito estado de insatisfação do ser humano em diversos aspectos de sua vida, diante do desenvolvimento tecnocientífico no mundo pós-moderno.

Fazemos tudo para conseguir aceitação de nossos pares: modificamos nossos corpos e comportamento; compramos os mais sofisticados bens de consumo; vestimos roupas da moda; negamos e escondemos opiniões pessoais. Diante de tamanha não aceitação, escondemos nossos corpos atrás de computadores, procurando cada vez mais estabelecer relacionamentos interpessoais virtuais.

Nesse novo universo, o homem é capaz de transformar-se e adotar características virtuais, que, muitas vezes, não correspondem ao seu corpo físico ou à sua personalidade.“Será que este corpo é meu?”. O descontentamento com a realidade imediata é frequentemente mascarado pelas  diversas identidades de um mesmo ser e pelos próprios instrumentos extensores do seu corpo físico.

As inquietações existenciais, os sofrimentos individuais e tudo aquilo que faz nossos corações baterem mais forte não deixam de existir, apenas são escondidos do resto do mundo, ou, até mesmo, silenciados com antidepressivos.

O conceito de humanidade expandida é norteador para explicar tais transformações, segundo Vázquez:  “A nova condição humana parte de que o corpo humano é simplesmente a plataforma física a partir da qual nos expandimos e manifestamos no mundo, utilizando de todos os recursos que a Revolução Tecnocientífica nos oferece atualmente”.

O trabalho de pesquisa para a criação do espetáculo envolveu um profundo estudo sobre as consequências da Revolução Tecnocientífica para a condição humana e sobre as atuais descobertas das neurociências. As principais referências são as stravaganzzas vitorianas, performances dadaístas, o Cabaret Voltaire e as artes contemporâneas.

No final do espetáculo, a plateia é convidada a contribuir pelo website oficial da peça com o projeto Lou-Leo, que procura arrecadar fundos por meio de um programa de financiamento colaborativo, para que o artista Leo Moreira Sá realize uma cirurgia de retirada da mama. Esse procedimento cirúrgico tem o intuito de promover uma maior adaptação do corpo do artista à sua própria percepção da identidade de gênero.

Os Satyros contam com a frequente interação com o público e com elementos cênicos carregados de significação simbólica. O espetáculo utiliza recursos tecnológicos digitais, de multimídia e telefonia móvel, trazendo elementos do burlesco, da pantomima, da revista e do show de variedades. As tradicionais cenas impactantes e extremamente provocativas, ao melhor estilo satyriano, convidam o espectador a uma profunda introspecção.

Fonte: Fala Cultura, 06/03/2012

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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