“Morreste-me”, de José Luís Peixoto: a insustentável leveza da morte

O delicado e comovente “Morreste-me”, escrito pelo português José Luís Peixoto, é dos livros mais bonitos sobre a morte de toda a literatura escrita em língua portuguesa. A obra tem pouco mais de 60 páginas e relata a morte do pai do autor, depois de um processo dolorido de uma doença terminal.

Com narrativa melancólica e carregada de poesia, é uma obra que se lê numa lufada e que – importante alertar – deixará efeitos para a vida toda. Mas não se assustem, a tristeza do livro atinge o encantamento.

Li o livro muito tempo atrás, início dos anos 2000, mais ou menos na época de seu lançamento. Depois disso, reli-o em outras duas ocasiões. Neste final de semana, sonhei com o livro. No sonho, eu o lia para o meu irmão Dimi, que morreu há pouco tempo. Acordei todo chororô.

Então, quis rever a obra e já não tinha mais nenhuma edição em casa. Normalmente eu gosto de presentear pessoas que amo com livros que me inspiram, geralmente assim que termino sua leitura. Pensei que teria que enfrentar uma correria pelos sebos pela cidade, não imaginava que o livro tivesse sido lançado por aqui.

A grande surpresa: “Morreste-me”, lançado no Brasil pela Editora Dublinense em 2015, acabou de receber no final do ano passado a 6ª impressão, e pode ser encontrado com alguma facilidade nas livrarias.

Acabei de ler o livro, mais uma vez. Desde a primeira leitura, lá se vão quase 20 anos. E, interessante, a cada vez a descoberta de camadas que não haviam sido identificadas antes. Desta vez, o livro soou-me como uma viagem ao passado. Mas uma viagem para entender o presente e, assim, ratificar quem somos e como sentimos a vida e a morte.

Belo e triste, muitas vezes violento e cheio de reflexões, com descrições rápidas e dilacerantes, o livro é muito mais do que uma declaração de amor; é uma oração. Sem piedade, como devem ser todas as orações potentes. Avassaladora e comovente, a obra é um mergulho na escuridão e na beleza da dor.

A coragem do autor em descrever o percurso final da doença do pai e o sofrimento da família, de tão íntima, passa a ser universal. Porque todos nós, em algum momento e proporção, já passamos por isso.

As memórias do pai vivo e de uma infância feliz são cortadas para o sofrimento do pai em um leito de hospital e, depois, para o vazio de uma casa que fica vazia. Morre-se um pouco também a cada página deste “Morreste-me”. Impossível não se abater na leitura do livro porque, afinal,

não poderiam os homens morrer como morrem os dias? Assim, com pássaros a cantar sem sobressaltos e a claridade líquida vítrea em tudo e o fresco suave fresco, a brisa leve a tremer as folhas pequenas das árvores, o mundo inerte ou a mover-se calmo e o silêncio a crescer natural natural, o silêncio esperado, finalmente justo, finalmente digno. (pág. 17)

 “Morreste-me”
Autor: José Luís Peixoto
Editora Dublinense

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
Post criado 1773

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