Morreu nesta quarta-feira (9), aos 82 anos, o diretor de teatro Aderbal Freire-Filho. A informação foi confirmada por familiares em contato com O GLOBO. Ele sofria complicações no estado de saúde desde 2020, quando sofreu um AVC hemorrágico, e estava internado no Hospital Copa Star, no Rio. O velório será realizado nesta quinta-feira (10), entre 10h e 14h no Teatro Poeira, espaço mantido em sociedade por Marieta Severo, mulher do encenador, e Andréa Beltrão.
Nascido em Fortaleza, Aderbal começou a carreira artística já aos 13 anos, atuando em grupos amadores e semi-profissionais de teatro. Formou-se em Direito na capital cearense, mas não chegou a exercer a profissão. Em 1970, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde fez sua estreia como ator em “Diário de um louco”, de Nikolai Gogol, encenando a obra dentro de um ônibus que percorria as ruas da cidade.
Como diretor teatral, ficou conhecido por sua ousadia experimental e suas montagens pouco tradicionais. Sua estreia nesta função foi em 1972 com a peça “O cordão umbilical”, de Mário Prata, e seu primeiro grande sucesso veio um ano depois, na direção do monólogo de Roberto Athayde, “Apareceu a Margarida”, estrelado por Marília Pêra.
Veja fotos do diretor teatral Aderbal Freire-Filho
Em 1973, fundou o Grêmio Dramático Brasileiro, experiência em que montava simultaneamente, com o mesmo elenco num cenário único, peças nacionais, entre elas “Um visitante do alto”, “Manual de sobrevivência na selva”, também de Roberto Athayde, “Pequeno dicionário da língua feminina” e “Réveillon”, de Flávio Márcio.
Aderbal foi um defensor da integração do teatro brasileiro com os de países da América do Sul e passou os últimos anos encenando peças entre o Brasil e o Uruguai. Em 2018, recebeu, inclusive, o título de visitante ilustre pela Câmara Municipal de Montevidéu. Desde a década de 1980, montava espetáculos na Argentina, Colômbia, entre outros. A peça “Mão na luva”, de Oduvaldo Vianna Filho, foi vencedora, no Uruguai, do Prêmio Florencio de melhor espetáculo estrangeiro em 1985.
Shakespeare e prêmio Shell
Na virada da década 1980, Aderbal se estabeleceu no Teatro Glaucio Gill, até então desativado, com uma companhia de teatro. Estreou em 1990 com “A mulher carioca aos 22 anos”. No local, também encenou peças de grandes figuras nacionais, como “O tiro que mudou a História”, sobre Getúlio Vargas, e “Tiradentes, inconfidência no Rio”, sobre o conspirador mineiro. Em 1994, o governo do Estado do Rio expulsou a companhia do teatro.
Desde então, Freire encenou suas obras em diversos outros teatros pela cidade, em adaptações de Vinicius de Moraes e clássicos de Shakespeare, como “Macbeth” e “Hamlet”, este último estrelado pelo ator Wagner Moura.
Após mais de uma década fora dos palcos, em 2011, voltou a atuar no espetáculo “Depois do filme”, que também dirigiu e escreveu. Em 2013, recebeu o Prêmio Shell de Teatro na categoria Melhor Diretor pela montagem da peça “Incêndios”, que tinha Marieta Severo como protagonista.
Em 2017, como conselheiro, lutou pela sobrevivência da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, a Sbat, que passava por crise financeira, classificando a associação de autores como “pioneira nas Américas”.
Além de ator e diretor, Aderbal foi apresentador, de 2012 a 2016, do programa “Arte do Artista”, na TV Brasil. Também seguiu com sua vida acadêmica: foi professor na Casa das Artes de Laranjeiras, na Escola de Teatro Martins Pena e na Faculdade de Letras da UFRJ, além de coordenar um curso de pós-graduação lato sensu na Escola de Comunicação da UFRJ.
Era casado desde 2004 com a atriz Marieta Severo e deixa dois filhos, Aderbal e Camilo.
Colegas lamentam perda nas redes
Após a divulgação da morte do encenador, colegas e admiradores lamentaram a perda nas redes sociais. O ator Matheus Nachtergaele o chamou de “príncipe suave e sábio dos nossos tablados”: “Tão lindo era o Aderbal Freire Filho! Tão fundamental na cena do nosso teatro! Tão príncipe era o Aderbal! Nossa família do teatro brasileiro está sendo duramente golpeada pela partida de artistas de estofo gigante. Ficamos mais órfãos, mas sempre inspirados”.
O ator e diretor Ivam Cabral postou a foto do último encontro dos dois, em 2019, no Sesc Ipiranga: “Vivemos histórias tão incríveis! E sonhamos tanto também!”. O ator Lúcio Mauro Filho, que viveu Tuco, filho da Dona Nenê interpretada por Marieta Severo no seriado “A grande família”, homenageou Aderbal: “Mestre Aderbal Freire-Filho partiu hoje, libertando-se da condição que viveu nos últimos tempos, de não poder nos brindar com sua presença e talento. Um dos maiores nomes da história do teatro brasileiro e assim permanecerá. (…) Ainda tive a chance de acompanhar de perto sua linda parceria com Marieta Severo e Andréa Beltrão no Teatro Poeira”.
As atrizes Drica Moraes e Cláudia Abreu tambérm lamentaram sua partida. “Nosso Príncipe das Tábuas partiu. Tanto nos deu em sabedoria, em poesia, em arte. Descansa, ser amado. Abraço forte Marieta e todos seus irmãos e filhos teatrais!”, escreveu Drica. Claudia enalteceu seu talento: “Aderbal. Um de nossos grandes gênios teatrais. Que Domingos (Oliveira) e Paulo José te recebam em festa! Para Marieta, todo o meu carinho e admiração”, escreveu ela.
O escritor e dramaturgo Marcelo Rubens Paiva lembrou da montagem de “O púcaro búlgaro”, de Campos de Carvalho, adaptado por Aderbal em 2006: “Um gênio, um mestre, inesquecível a adaptação de Campos de Carvalho. Artista completo, sem aquela corte ao redor de outras divas. Se foi mais um dos grandes diretores de teatro brasileiros”.
Fonte: O Globo