Marcelo Mirisola é o grande escritor da minha geração. Estou convencido disso. Mais: descobri que li quase todos os seus títulos. Me certifiquei disso porque queria encontrar o meu volume do “Animais em Extinção” e, vasculhando as minhas estantes, fui recolhendo todos os seus títulos. Ao final, constatei que falta apenas a leitura de “Fátima fez os Pés para Mostrar na Choperia”, de 1998, para completar a bibliografia do cara.
Mas, de todos os seus livros, sou alucinado mesmo pelo “Joana a Contragosto”. Na minha opinião, não apenas o seu melhor livro, mas um dos 10 melhores escritos nesta primeira década. Cheguei, alguma vez, a pensar em adaptá-lo para o teatro. Acho que a obra dialoga com “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, de Goethe, e tem grande teor dramático. Se bem adaptado, poderia resultar numa grande experiência cênica.
Mas foi em 2008 que MM escreveu um outro livro marcante, “Animais em Extinção”. Embora meio renegado por ele – me confessou recentemente em uma mensagem no Facebook que a obra “tem um monte de barrigas e equívocos” –, considero este trabalho um dos escritos mais importantes do Movimento Praça Roosevelt. Incluindo aí as obras dramatúrgicas, também. E olhe que neste movimento temos até a premiada e respeitadíssima escritora alemã Dea Loher que escreveu “A Vida na Praça Roosevelt”, em 2004, traduzida e montada em várias partes do mundo.
Mas eu vim aqui pra falar de “Charque”, o último trabalho de MM que saiu no final do ano passado, pela Editora Barcarolla. E, confesso, terminei de ler o livro com nó na garganta. Não só porque se trata realmente de um livro triste – há ali, retratada, uma geração perdida em seu próprio simulacro e encurralada num tempo dizimado, sem amanhã. Mas sem passado também.
“Charque” se inicia justamente no momento em que o garoto que “não aguentava mais bater punheta” resolve “comer uma puta com o dinheirinho que ganhou da nonna no dia 12 de Outubro”, o dia da Padroeira do Brasil. Ele tem 16 anos e estamos exatamente na virada dos anos oitenta para os noventa. E “o resto é um grito desesperado.”
O pano de fundo do livro é o Brasil dos anos sessenta até os dias de hoje. AIDS, política, Nádia Lippi, Praça Roosevelt e até Alberto Guzik são figuras importantes do livro. E não faltam, é claro, Marisetes, Nayrinhas e Bias.
Mas o que melhor MM faz nesta obra é destilar a sua doçura. Sim, eu disse doçura mesmo. Embora num primeiro momento o autor pareça ácido, há muita poesia em seu universo. E ele começa a narrativa dizendo que o que resta a ele é tocar seu “barquinho fingindo que nada de excepcional está acontecendo.”
Claro que quem conhece MM sabe que não é tão simples assim. O cara não veio ao mundo pra fazer figuração. Comecei este texto dizendo que ele é o grande escritor da minha geração.