Década de 1960.
Jane Mary, aos 19 anos, era linda e pensava ter o mundo pela frente. Depois de ter concluído seu curso de magistério, e namorando Romário há cinco anos, estava de casamento marcado. O casal era tido como exemplo para a conservadora sociedade da pequenina cidade de três mil habitantes.
Num sábado, faltando poucos dias para as bodas, Romário e Jane Mary, que viviam uma relação apaixonada, deixaram a igreja matriz apressados por conta da fina garoa, depois de assistirem à missa das sete e meia, em direção ao fusca amarelo do moço, estacionado na praça da catedral.
Os dois entraram no carro e, antes de dar a partida, Romário sentiu um cheiro estranho.
– Você peidou?
Jane Mary ficou corada e não teve como negar. Ela, que havia, sim, soltado um pum, discreta e lentamente, fez um sinal afirmativo com a cabeça.
Romário ficou nervoso, muito nervoso. Depois de um silêncio, desceu calmamente do carro, dirigiu-se à porta do passageiro, onde Jane Mary se encontrava, abriu-a e pediu, gentilmente, que a moça saísse dali.
Jane Mary, sem entender muito bem o que acontecia, obedeceu. Vagarosamente, e segurando uma bolsa branca de mão, deixou o automóvel.
Enquanto Jane Mary permanecia em pé, do lado de fora do fusca amarelo, Romário, ainda em absoluto silêncio, fechou cuidadosamente a porta do passageiro, deu a volta, e entrou novamente no carro, saindo em disparada. Jane Mary ficou parada na calçada, no meio da garoa.
Romário estava atordoado. Correu com seu fusca para o bar do Tuiu e, horas depois, completamente embriagado, foi repetindo inúmeras e incontáveis vezes, para todos que queriam ou não ouvi-lo, a história que acabara de viver.
– Ela peidou. Como posso me casar e passar a vida toda com uma mulher que peida?
Naquela noite, muito tempo depois e após caminhar vagorosamente, evitando as ruas mais movimentadas, Jane Mary chegou em casa encharcada. Entrou sem que ninguém desse conta e trancou-se em seu quarto. E, completamente imóvel, ficou ali por mais de dez dias.
O que se passou, no entanto, foi triste. Romário não quis mais saber do casamento. Encontrou-se com seu Eurico, pai de Jane Mary, para dizer que não se casaria mais com sua filha.
– Não vou mais me casar. Ela peidou. Como posso me casar e passar a vida toda com uma mulher que peida?
Sim, seu Eurico entendeu a justificativa de Romário e contra isso não conseguiu argumentos. Voltou pra casa e, enquanto Jane Mary permanecia em seu quarto, reuniu-se com a família e explicou o ocorrido.
– Jane Mary peidou. Romário não pode se casar e passar a vida toda com uma mulher que peida.
A família de Jane Mary também entendeu Romário e, respeitando o silêncio dela, nunca mais tocaram naquele assunto.
O casamento, enfim, não se realizou. Jane Mary ficou muda por cinco anos e, por exatos cinco anos, não arredou os pés de sua casa.