Um dia histórico para a psicanálise no Brasil – e no mundo. Na manhã do último domingo (20), o Coletivo Cinema e Psicanálise nas Brechas reuniu cerca de 100 pessoas no Cine Satyros Bijou – Sala Patricia Pillar, no centro de São Paulo, para lançar o manifesto “Por uma Psicanálise Decolonial”. O evento teve apoio da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco.
O evento lotou a sala do cinema, e uma segunda sala, na unidade Roosevelt SP Escola de Teatro, foi aberta para receber mais de 100 pessoas que não conseguiram entrar no Bijou. Mais de 700 pessoas acompanharam a transmissão pelo YouTube, ampliando ainda mais o alcance do encontro.
Estiveram presentes nomes de destaque da psicanálise e da cultura brasileira, como Marilena Chauí e o escritor, poeta e dramaturgo Cuti, além de representantes de instituições como Sedes, SBPSP, Gerar, CEP e EBP.
Além da leitura do manifesto, o público acompanhou uma mesa com as psicanalistas Isildinha Nogueira Baptista, Miriam Chnaidermann e Miriam Debieux, o franco-marroquino Thamy Ayouch e o pesquisador, escritor e professor Deivison Ngozi. A programação incluiu ainda a exibição do documentário “Introdução ao pensamento de Fanon”(2016), dirigido por Ngozi.
Uma das autoras do manifesto, Isildinha Baptista Nogueira é presidente do conselho administrativo da ADAAP (Associação dos Artistas Amigos da Praça), organização social gestora da SP Escola de Teatro.
O manifesto apresentado constitui um posicionamento firme diante da recusa histórica, por parte de setores hegemônicos da psicanálise europeia, em escutar as vozes, dores e potências vindas de territórios colonizados. O texto nasce como resposta a dois episódios emblemáticos que revelaram o mal-estar colonial ainda presente na prática psicanalítica.
O primeiro ocorreu em 2019, quando um grupo de psicanalistas franceses publicou no Le Monde o documento — intitulado “La pensée décoloniale renforce le narcissisme des petites différences” (link para o texto) — no qual classificavam o pensamento decolonial como uma ameaça totalitária, acusando-o de “vitimismo” e de “narcisismo das pequenas diferenças”. O grupo defendia um suposto universalismo da psicanálise, que, na prática, mantinha intactos privilégios raciais, sociais e geopolíticos.
O segundo episódio se deu em junho deste ano, no Colóquio Brasileiro de Psicanálise – Diversidade, Identidade, Singularidade: um ponto de vista psicanalítico, realizado na Embaixada do Brasil em Paris. Ali, vozes brasileiras – múltiplas, complexas e enraizadas na história do país – se levantaram para pensar a psicanálise a partir das feridas e potências decoloniais que nos constituem. Não tardou para que emergisse o mal-estar: “quando a Europa não é o centro e quando o saber não fala francês, a escuta hegemônica se fecha”.
O manifesto foi escrito por Ana Lucia Bastos, Bruna Elage, Isildinha Baptista Nogueira, Ivam Cabral, Lilian Carbone, Luciana Chauí, Patricia Villas-Bôas, Roberta Kehdy, Rodolfo García Vázquez e Vera Lucia Barbosa, e lido por Luciana Chauí durante o evento.
Leia e assine o manifesto “Por Uma Psicanálise Decolonial”.
Sobre o Coletivo
O Coletivo Cinema e Psicanálise nas Brechas, criado em 2024, reúne psicanalistas de diferentes formações e instituições para explorar as articulações entre psicanálise e arte como práticas criativas e transformadoras. Seus encontros mensais, realizados aos domingos no Cine Satyros Bijou – Sala Patricia Pillar, tomam o cinema como ponto de partida para refletir sobre subjetividades, violências históricas e novas possibilidades de existência. A perspectiva é antirracista, decolonial, interseccional e atenta às marcas da Améfrica Ladina, conceito cunhado por Lélia Gonzalez.
O coletivo sustenta uma psicanálise aberta à pluralidade dos inconscientes, capaz de escutar o que a história tentou silenciar e de se implicar nas urgências do presente.
Integram o coletivo os psicanalistas Ana Lucia Bastos, Bruna Elage, Isildinha Baptista Nogueira, Ivam Cabral, Lilian Carbone, Luciana Chauí, Patricia Villas-Bôas, Roberta Kehdy, Vera Lucia Barbosa e o diretor teatral Rodolfo García Vázquez.
Veja mais imagens do evento, nas fotografias de Rodrigo Reis:
Fonte: SP Escola de Teatro