EU, ADIVINHO | Entre Vinis, Teatro e Nostalgia

Cheguei a Curitiba aos 18 anos, já cursando o segundo ano de Administração de Empresas e tendo passado pelo exército, de onde ingressei aos 17, como voluntário, em busca de um caminho para sair de casa o mais rápido possível. Eu tinha pressa, muita pressa.

Logo depois, comecei a trabalhar na Banestado Corretora, uma das maiores corretoras de valores do país na época. Me adaptei rapidamente àquela rotina e cheguei a operar na Bolsa de Valores do Paraná. Aos 20 anos, eu era visto como uma promessa no mundo do mercado financeiro. Abandonei essa vida ao descobrir o teatro, embora, nos primeiros anos do curso, ainda tenha conciliado o trabalho com a faculdade de teatro.

A verdadeira transformação, no entanto, aconteceu antes do teatro quando, sem um plano definido e sem saber ao certo o que estava fazendo, coloquei a música em primeiro plano na minha vida. Não como intérprete ou músico, mas como pesquisador e colecionador. Aos 20 anos, já possuía centenas de discos de vinil e uma vasta coleção de livros sobre música, especialmente sobre música brasileira e também sobre jazz.

Passei a saber muito de música, seus compositores, intérpretes e curiosidades. Comecei também a ler biografias, mas tudo isso de forma paralela aos meus estudos teatrais. Uma coisa não parecia ter ligação com a outra, e nem eu sabia ao certo o que pretendia fazer com todo esse aprendizado.

Ontem à noite, enquanto Rodolfo e eu assistíamos ao Jornal Nacional, logo no início, nas manchetes, os apresentadores anunciaram as mortes de Quincy Jones e Agnaldo Rayol. Comentei com Rodolfo sobre a importância de Quincy para a música mundial. Sabendo da minha história com a música, Rodolfo me perguntou:

— Tá bom, o que o Jornal Nacional vai falar sobre o Quincy Jones?

Respondi que certamente mencionaria sua parceria com Michael Jackson, afinal, juntos, eles criaram o álbum “Thriller”. Imaginei que o jornal também lembraria suas colaborações com Frank Sinatra, especialmente em “Fly Me to the Moon” (que usamos em “Pessoas Sublimes”) e, claro, do “We Are the World”, o marco de solidariedade com o USA for Africa, em 1985.

Rodolfo se empolgou e quis saber o que Jornal Nacional se lembraria de Agnaldo Rayol.

Eu disse que a matéria falaria sobre a grande voz de Agnaldo, que com ele se encerrava um período importante da música brasileira – jeito de cantar e a fidelidade com um estilo e postura –, e de seu trabalho como ator em novelas.

— Não, eu quero saber que música ele vai cantar na matéria, Rodolfo perguntou rindo.

— Vai cantar “Ave Maria”, que encerrará a matéria, respondi, convicto.

As duas matérias trouxeram as informações que compartilhei com Rodolfo e, sim, a do Agnaldo terminou com ele cantando “Ave Maria”, composta por Gounod sobre o prelúdio de Bach.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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