Após duas semanas de aulas teatrais práticas e ao vivo, com estudantes de três continentes, foi concluído o primeiro módulo de teatro telemático, experiência pedagógica pioneira no mundo.
Universidade das Artes de Zurique (ZHdK), Faculdade das Artes de Cingapura (LASALLE), SP Escola de Teatro e MT Escola de Teatro uniram-se para o projeto que pesquisou distopia e a cultura cyberpunk, tendo como pano de fundo o estudo da própria tecnologia em questão, uma vez que o programa também envolvia estudos técnicos relativos a novos programas de áudio e vídeo, integração com Zoom e outros aplicativos.
Estudantes da SP falam sobre a experiência do intercâmbio cultural com universidades europeias
A seguir depoimentos de alguns dos estudantes brasileiros participantes.
Caroline Calsone (SP Escola de Teatro)
O curso de teatro telemático, ainda mais nesse momento da pandemia no Brasil, foi pra mim uma janela, ou uma porta, aberta para um mundo outro. Trabalhar colaborativamente com estudantes de Zurique e Singapura e também da MT Escola de Teatro acentuou todas as nossas particularidades, todas as nossas diferenças – inclusive de fuso horário –, mas também as nossas semelhanças, não só no modo de trabalhar com o teatro e lidar com os materiais na cena, mas também nas vontades, questões internas, saudades, gostos e desgostos, alegrias, tristezas, etc. Pra mim, fica muito clara, principalmente, a importância do ato de escutar atentamente o outro, a outra ou outre, buscar encontrar uma conexão. No grupo em que trabalhei, estivemos o tempo todo dando muita atenção ao diálogo, à partilha de experiências, à troca cultural e à busca de uma conexão genuína entre nós. No início, poderia se pensar que estávamos “perdendo tempo” ao conversar tanto ao invés de buscar logo de início estruturar um trabalho cênico, mas foram exatamente as nossas conversas e a nossa vontade de conhecer e de conectar uns com outros que geraram todos os materiais, procedimentos e experimentações que levamos para cena! Todo o processo, que se baseou muito na troca, na tentativa constante e na escuta, foi de grande aprendizado para mim.
Nayara Maria de Oliveira Gomes Silva (SP Escola de Teatro)
“O curso foi uma imersão muito intensa em três completamente diferentes culturas, experiências artísticas e de vida num geral. E quando digo intensa não é exagerando ou sendo clichê. Em nossos encontros, já nos grupos dos experimentos, nós apresentávamos nossas respectivas casas ou escolas uns aos outros, contávamos tanto sobre tempo quanto política locais, nossas aflições, esperanças. Dessa forma fomos percebendo nossas semelhanças e diferenças, e criamos um conexão emocional muito forte num período muito curto, muito além da internet, que dependíamos para estar ali, e o trabalho em que chegamos acabou sendo um produto dessas trocas em consonância com as pesquisas mais técnicas e teóricas. Houve dificuldades tecnológicas, mas dava para ver que por trás tinha uma equipe muito empenhada para resolver essas partes bem frustrantes, e no fim foi muito maravilhoso ver como cada trabalho conversava com todo o processo e com as individualidades dos grupos, ficou muito com gostinho de quero mais e, assim que possível (por mais longe que isso esteja) experimentar tudo isso presencialmente.”
Filipe Pereira (SP Escola de Teatro)
A primeira coisa que vem à cabeça quando penso em um intercâmbio, é a de uma vivência que se faz em um país diferente do meu – experimentar outra rotina e hábitos, conhecer outros lugares e pessoas. Claro, também existe o aprendizado, já que o intercâmbio geralmente está associado a contextos educacionais.
A crise de uma pandemia global, ligeiramente mais grave em certas partes do mundo (como – adivinhem só? – no Brasil) limita muito a possibilidade de uma experiência tradicional de intercâmbio. Porém, quando ela pode ser feita virtualmente, outras janelas se abrem; por exemplo, os custos que alguém pode ter com a viagem, acomodação e alimentação em terras estrangeiras, perdem sua importância.
A oportunidade de conhecer o fazer teatral de dois países do qual conhecia muito pouco, e de ver como seus artistas pensam, suas urgências e interesses artísticos, e até mesmo o que eles conhecem sobre nós (Augusto Boal, por exemplo, uma referência de quem somos) me ajuda muito a colocar em perspectiva o teatro brasileiro, nossos processos criativos e até mesmo a relevância que podemos ter como artistas em um mundo globalizado.
Fabíola Karen (MT Escola de Teatro)
A experiência com o Intercâmbio Virtual de Teatro Telemático Brasil-Suíça-Cingapura foi uma das mais marcantes e engrandecedoras. Poder perceber que há pessoas pesquisando e buscando por alternativas do fazer teatral ao redor do mundo e poder contribuir com o que já estamos fazendo por aqui é esperançoso. Dá aquele gosto da resistência que a gente sabe como o teatro pode proporcionar e pode chegar aos lugares. A pesquisa sobre a distopia e a cultura cyberpunk foi o tema em que fomos envoltos durante todo o processo de pesquisa e construção, sempre levando em consideração o veio virtual/digital. A construção colaborativa, método que eu já venho utilizando na MT Escola de Teatro, foi essencial para o formato que utilizamos. Além disso, o projeto foi pioneiro ao juntar três diferentes continentes em cena ao mesmo tempo. Ao compartilhar nossas vivencias e experiências, pudemos nos aproximar ainda mais e perceber que as nossas diferenças são o que engrandecem cada construção. Foi maravilho ver como os grupos puderam construir juntos suas dramaturgias e perceber em cada produção as singularidades e pluralidades compartilhadas. Essas duas semanas de estudos e trabalhos somados às nossas experiências vividas e desenvolvidas nos dois últimos módulos de aula da MT Escola de teatro mostram as possibilidades que estamos aprendendo e desenvolvendo para manter o nosso fazer artístico teatral, mesmo em tempos pandêmicos. E importantíssimo: não estamos sozinhos.
Fonte: SP Escola de Teatro, 29/04/2021