Janete fazia Economia na Federal do Paraná e trabalhou comigo numa corretora de valores na época em que eu era estudante de Artes Cênicas, no Teatro Guaíra, em Curitiba.
Lembro-me perfeitamente do sorriso de Janete numa tensa reunião de final de ano quando o pessoal do nosso departamento discutia sobre quem folgaria no Natal e quem folgaria no Ano Novo.
Foi nesse dia que Janete, sorrindo, abriu uma sacola e começou a distribuir uns presentinhos que tinha preparado especialmente para nós. Eram pacotes lindos, sofisticadamente embalados, em cores e papéis diversos.
Nosso chefe chamava-se Edson. Era uma pessoa achavascada. Intolerante também. Ele foi o primeiro a ganhar um dos embrulhinhos de Janete. Visivelmente feliz, foi também o primeiro a desembrulhá-lo. Quando enfim rasgou o último papel, havia uma caixa de fósforos vazia.
– Escolha o seu sonho, anunciou Janete sorridente.
Constrangimento. A sonhadora Janete nos presenteava sonhos. À nossa escolha. E parece que ninguém ali entendeu a singeleza da moça. Depois de uma saia justa geral, a tal reunião continuou e nem me lembro o que ficou decidido naquele dia. Inesquecível foi o destino de Janete.
Quando Janeiro chegou, nossa querida sonhadora foi demitida. Por dias a fio, enquanto cumpria o aviso prévio, chorou feito criança. Edson, o chefe, tinha ficado nervoso com o tal presentinho de Janete. Vociferava:
– Uma afronta!
Anos se passaram e Janete saiu das nossas vidas. Nunca mais havia me lembrado dessa história. Há cerca de cinco ou seis anos, porém, Janete me escreveu. Descobrira meu e-mail através do site dos Satyros. E me contou novidades de 20 anos.
Relatou que abandonara seus planos no Brasil e que agora morava na França. E que tinha chegado ao país muito deprimida, quando fora demitida da tal corretora. E que ficou cinco anos sem voltar ao Brasil. E que se apaixonou em Paris por um executivo alemão. Que está casada com ele há quinze anos, que tem dois filhos, que mora no interior da França, que é escultora e prepara o lançamento de seu primeiro livro de poesias.
Em resposta ao seu e-mail, revelei-lhe que eu havia escolhido um sonho naquela fatídica reunião. Segredei-lhe que quando recebi o tal presentinho e a ordem para que escolhesse meu sonho, pensei seriamente que queria muito me tornar um ator, possuir uma companhia de teatro, viajar pelo mundo e terminar os meus dias fazendo teatro.
Durante algum tempo trocamos mensagens e um dia telefonei pra Janete. Foi uma conversa emocionada. Antes de nos despedirmos, contudo, perguntei-lhe, quase num tom de brincadeira, qual era o seu sonho naquele Natal, na corretora de valores, há mais de 20 anos.
Houve um pequeno silêncio. Janete inspirou profundamente, insistiu em mais silêncio e vagarosamente segredou:
– Pedi para que não me tirassem os sonhos. E desde aquele Janeiro, enquanto chorava no departamento, não houve um dia sequer em que não implorei para o universo que não me deixasse parar de sonhar.
O tempo passou mais um pouco. Neste final de semana, em Curitiba, encontrei, casualmente, o Edson, nosso ex-chefe que não sabia sonhar e que, aos 60 e tais anos, trabalha atualmente como taxista.
Ele não me reconheceu e eu, embora com vontade de saber um pouco mais sobre sua vida, preferi o silêncio. Enquanto o carro seguia, ia vendo os olhos de Janete pelas ruas da cidade. E sorri por dentro.