1987. Estudava teatro no Guaíra, em Curitiba. E, naquele ano, gozava o privilégio de, aos 23 anos, ter assistido aos trabalhos de quase todos os meus ídolos nacionais: Paulo, Bibi, Fernanda, Flávio Rangel, Lauro César Muniz, Guarnieri, Fagundes, Tônia, Maria Alice Vergueiro, Cida Moreira, Antunes, Irene Ravache, Dina Sfat… Porém, Maria Della Costa, eu nunca tinha visto. E era seu fã confesso. Aliás, pra mim, a mulher mais bonita que pisou sobre a terra.
Acontece que, embora o meu curso de Artes Cênicas fosse validado pela PUC, as minhas aulas aconteciam no Teatro Guaíra. Nossas classes de trabalho ficavam ao lado dos camarins do Guairão. Assim, assistíamos a todos os espetáculos que apareciam por ali. Inclusive “varando” o teatro.
Sabem o que é “varar” um espetáculo? É um termo que eu conheço da minha infância e significa entrar num espetáculo sem pagar. Para isso, no entanto, vale qualquer coisa. Desde subornar o porteiro, até entrar no espaço da apresentação das formas mais ilegais possíveis. Cansei de fazer isso nos circos que apareciam na minha Ribeirão Claro e, depois, no Teatro Guaíra.
No Guaíra, inclusive, ficávamos escondidos no meio das cortinas aveludadas do teatro. E, me lembro, certa vez, para ver o Ney Matogrosso fiquei plantado atrás das cortinas do Guairão por quase dez horas!
Mas estava falando dos meus ídolos. Sim, em 1987 eu nunca tinha visto Maria Della Costa. E, num belo dia, ela aparece em Curitiba para apresentar “Alice que Delícia”, o texto do Bivar, dirigido por Odavlas Petti. No elenco, além de Maria, o talentoso ator Enio Gonçalves.
Fui sozinho àquela sessão e, na plateia do Guairinha, na estreia de Maria, não tinha mais do que 30 pessoas. E o espetáculo, uma comédia, não fluiu muito bem, não.
Ao término, esperei que o público saísse do teatro e me dirigi ao camarim para dar um beijo no elenco.
O que encontrei, no entanto, foi um clima devastador. Maria estava chorando, consolada pelo Enio. Teria dado meia volta se Maria não me chamasse para o abraço. Assim, nós três nos abraçamos no choro de Maria.
Ficamos assim por vários minutos. E eu até me sentia um tanto desconfortável porque não os conhecia e me imaginava intruso ali.
Ao término do abraço, não houve as apresentações. E foi Maria quem começou a falar. Contou que naquela noite haviam acontecido duas coisas importantes. Uma boa, outra má. A má, que o seu produtor e companheiro de anos, Sandro Polônio, estava muito mal num hospital em São Paulo. A boa, que Enio havia ganhado o kikito de ouro, em Gramado, como melhor ator por “Filme Demência”.
– E veja como é a vida. O Enio, aqui, celebrando o futuro com o prêmio de melhor ator e eu, o meu fracasso. Afinal, vida e morte caminham juntos.
Foi assim que conheci o Enio Gonçalves. Um ator esplendoroso, com um talento acima do normal. E que morreu hoje.
E Maria, aos oitenta e tais anos, hoje vive linda, em Paraty.