– Alô?
– Alô.
– Por favor, quem fala é Ivam Cabral, dos Satyros.
– Meu querido. Eu queria mesmo te pedir desculpas.
– Desculpas?
– Pelo convite que eu não pude aceitar.
– Imagina, entendi perfeitamente.
– Quando li nos jornais, fiquei com uma dor imensa. Pensei, eu deveria ter ido.
– Sim, o evento foi lindo e você fez falta.
– Sabe o que é? É algo de caráter muito pessoal, mas eu… (Um pequeno e perturbador silêncio) Eu tenho depressão, sabe?
– Entendo perfeitamente. Também eu.
– (Surpresa, quase feliz) Sério?
– Sim e já faz um tempo. E é um problemão. Cada vez mais tenho sentido vontade de ficar sozinho. E, ultimamente, começo a ter problemas em falar em público.
– Não acredito. Eu também. Tenho recusado conferências, não tenho respondido a entrevistas. Imagina você que até meus alunos na pós-graduação me deixam amedrontada. (Risos nervosos) Nossa, quem diria…
– Você é de câncer?
– Não, de aquário.
– Engraçado, pensei que fosse coisa de cancerianos.
– Jamais poderia supor que você também sofresse disso. Um ator como você!
– Pra completar, sou muito tímido.
– Mesmo? E você sempre foi assim?
– Desde que me entendo por gente.
– Não podia mesmo imaginar.
– Então eu, como podia supor que você, uma intelectual brilhante, dona de uma obra admirável, pudesse estar…
– (Cortante) Doente. (Pequeno silêncio) Então me perdoe. Quando li a matéria no jornal tive vontade de estar lá com vocês.
– Você toma algum medicamento?
– Sim, estou experimentando agora o cloridato de fluoxetina.
– Prozac? Já experimentei.
– (Mais risos nervosos) Prefiro chamar de fluoxetina, é menos pesado.
– Você já leu o livro “O Demônio do Meio-Dia”?
– Não, não li.
– É uma obra fantástica do Andrew Solomon, um autor americano, que foi às profundezas para vencer a sua depressão. Ele faz um recorte minucioso e uma investigação ampla sobre a depressão. Você precisa conhecer o livro.
– Interessante, quero ler o livro. Como se chama mesmo?
– “O Demônio do Meio-Dia”. Oxalá o livro seja pra você tão valioso quanto tem sido pra mim. Eu ainda não terminei de ler.
– E você faz terapia?
– Há anos. E você, faz?
– Voltei agora. Estou experimentando a lacaniana. (Pequena pausa) E teremos salvação?
– Acredito no ser humano e em sua recuperação. Sempre.
– Será mesmo?
– Com certeza. O Andrew Solomon fala do papel vital da vontade e do amor no processo de recuperação da depressão. Para ele, examinar a depressão e as emoções que a rodeiam é examinar o que é possuir um eu.
– Mas isso já sabemos.
– Mas eu ainda acho que a gente se ama pouco e o problema são os afetos.
– Como assim?
– Precisamos trabalhar os afetos, corrigir a auto-estima. Você, por exemplo, como disse, uma intelectual brilhante.
–E você, um ator que eu admiro. (Silêncio profundo) E a gente não se conhece pessoalmente.
– É, não se conhece.
– Desculpe, e você me ligou por quê?
– Pra dizer que acabei de ler o seu artigo hoje e que ele me salvou.
– (Rindo) Eu te salvei?
– Sim, eu estava muito triste e você me elevou. Então, queria te agradecer.
– Não há de quê, querido.
– E obrigado pela conversa.
– Eu é que adorei falar com você. Quando tomamos um chá juntos?
– Seria um prazer.
– Pode ser no fim de semana?
– Domingo é bom pra mim.
– Pra mim é perfeito. Você me liga no sábado pra combinarmos?
– Ok, até sábado então.
– Até. Foi mesmo um prazer. Mas… (Rindo) Em que horário se encontra mesmo o demônio?
– Ao meio-dia.
– Vou me encontrar com este demônio.
– Até, então.
– Até.