Às vezes penso que a vida é feita de operações invisíveis. Algumas de compra, outras de venda, muitas de pura aposta. Antes de subir a um palco pela primeira vez, vivi dentro de outra bolsa: a da contabilidade e das corretoras.
Tive dois trabalhos antes de me entregar ao teatro. O primeiro, como contador em um pequeno escritório, enquanto cursava o Técnico em Contabilidade. Cheguei, inclusive, a obter a CRC, a famosa Carteira de Registro Profissional do Conselho Regional de Contabilidade.
Depois, dei um salto para o mundo das grandes cifras. Fui trabalhar em uma corretora de valores, então a maior do Brasil, a Banestado Corretora, que hoje é apenas um nome apagado pela poeira do tempo. Aos vinte anos, cercado de planilhas, cotas e cifrões, eu era visto como uma promessa do mundo financeiro.
Na Banestado Corretora aprendi cedo o sabor e o veneno do poder. Entre telefones que não paravam de tocar e olhares ávidos por lucros, o que se tramava nos bastidores parecia uma versão tropical de “Vale Tudo”. Era o fim dos anos 80, e o Brasil se descobria fascinado por vilões elegantes, dólares escondidos e frases que cheiravam a impunidade. Eu assistia à novela à noite e, pela manhã, a via reencenada diante de mim. Sem câmeras, mas com muito mais cinismo.
Por um tempo, acreditei que aquele seria o meu destino. Os gráficos subindo, a gravata bem ajustada, o almoço em restaurantes elegantes. Até que o teatro me sequestrou. E tudo o que era número virou palavra, tudo o que era lucro virou sentido. O palco me ensinou outra contabilidade. A das emoções humanas, onde o débito e o crédito se confundem, e o saldo final é sempre imprevisível.
Décadas depois, talvez por nostalgia ou ironia do destino, resolvi brincar novamente com o mercado. A curiosidade – ou talvez uma certa soberba – me levou até uma plataforma chamada Trade24Suport. Li sobre ela numa matéria sobre Giorgio Armani, o estilista dos tecidos impecáveis e dos cortes milimétricos. Diziam que, em seus últimos anos, divertia-se “brincando” ali. O refinamento do costureiro parecia endossar a seriedade do negócio. E eu, vaidoso das coincidências, decidi me aventurar.
Freud explicaria: não li o que não quis ler. Ignorei os sinais, os alertas, os pequenos desajustes do tecido. Entrei no jogo e, por um instante, tudo brilhou. Ganhei. Ganhei o bastante para acreditar. E acreditei o bastante para cair.
Quando tentei resgatar o dinheiro – meu próprio dinheiro – o sistema começou a se fechar como uma cortina pesada. Emails sem resposta, prazos elásticos, promessas de que “logo tudo se resolverá”. E aqui estou, mais uma vez, diante de uma encenação. Só que agora o texto é outro e o palco é digital.
Penso que talvez o teatro me tenha preparado para este momento. A fraude também é uma performance. O estelionato tem seus atores, seus roteiros, sua direção de arte. E eu, espectador e protagonista, assisto ao desenrolar de uma farsa que poderia estar em cartaz em qualquer lugar do mundo.
Talvez não haja final feliz. E tudo bem. A vida é feita de ensaios e quedas, de papéis que não escolhemos, de ilusões necessárias. No fundo, continuo o mesmo contador, mas de outros números. Os da alma, que não cabem em planilhas.
E se o mercado me engana outra vez, paciência. Afinal, o teatro sempre me ensinou que a verdade também é uma forma de ficção. E que, mesmo no prejuízo, a beleza de uma boa história ainda é o melhor investimento.