Tenho brincado que cheguei à terceira idade. Com algum jeito que é quase um escudo, é bom dizer. Mas, como toda boa piada, há nela um tantinho de verdade. Talvez até um campo inteiro. Não é mais uma suspeita no espelho nem um número no RG. É um estado de corpo. E, surpreendentemente, um lugar onde tenho descoberto prazer.
Talvez o que mais me espante, e também o que mais me diverte, seja perceber que abandonei as madrugadas. Eu, que tanto as cultuei, que conheci as variações do silêncio entre três e quatro da manhã, agora me recolho com as galinhas. Dez e meia da noite e já estou nos braços de Morfeu. Que loucura! Se me contassem isso anos atrás, eu riria alto, com uma taça de vinho na mão e os olhos brilhando de insônia.
Mas não foi abrupto. A vida, às vezes, sabe ser gentil com suas mudanças. Essa transição veio devagar, com a delicadeza das folhas que caem sem alarde. E agora é assim. Seis horas da manhã e já estou desperto, mesmo sem motivo. Mesmo aos domingos. Acordo com o dia, como quem voltou a confiar na luz.
Claro, essa história tem raízes. Passei anos madrugando por causa da clínica. Atendimentos às seis exigiam olhos abertos às cinco. Foi um tempo intenso, quase violento, em que eu me tomava por forte demais para perceber que estava me esvaziando. Rompi com isso este ano. E nessa ruptura, talvez sem perceber, comecei a reescrever meu relógio interno.
O que me espanta, no entanto, não é acordar cedo. Isso já vinha se avisinhando. O novo mesmo é dormir cedo. Eu, que sempre tive um livro à cabeceira, um filme na fila, uma conversa pendurada no teto. Eu, que achava que viver era também resistir ao sono. Agora, não. Agora, dormir bem virou um luxo que escolho. Um projeto de saúde. Um gesto de autocuidado.
Talvez envelhecer seja isso, dar-se o direito de mudar sem pedir desculpas à versão anterior de si. Descobrir que o corpo, se escutado, tem sabedoria. E que há, sim, beleza nas coisas simples. No acordar antes do mundo. No silêncio da casa vazia. Na cama feita às dez e meia.
A terceira idade chegou como uma visita que eu temia. Mas que, ao entrar, abriu as janelas. Não veio roubar a noite. Veio devolver o dia.