CRÍTICA | A Casa de Bernarda Alba

A filósofa francesa Simone de Beauvoir disse uma vez que: “basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados”. É curioso perceber como esses direitos ainda seguem frágeis e ameaçados por uma estrutura patriarcal, autoritária, colonial e machista – vide as discussões que surgiram em torno do “PL do Aborto” na Câmara dos Deputados em junho deste ano.

O escritor norte-americano Mark Twain nos faz lembrar também que a história nunca se repete, mas às vezes ela rima. Talvez por essas perspectivas e por outras intrínsecas, também, à sociedade brasileira, Rodolfo García Vázquez e Ivam Cabral, diretor e adaptador da obra, respectivamente, resolveram montar “A Casa de Bernarda Alba” (1936), que está em cartaz na sede do disruptivo grupo de Teatro Os Satyros.

Na excelente montagem, que não tem limites para ousadia – uma marca já muito bem registrada na voltagem criativa do grupo desde a sua fundação em 1989 -, nos deparamos com mais uma novidade: a proposta de mesclar elencos para interpretar o brilhante texto do poeta e dramaturgo espanhol Federico García Lorca (1898-1936).

Na proposta do grupo, que escolheu essa peça para comemorar os seus 35 anos de existência e resistência, o espectador pode conferir as apresentações com um elenco todo feminino, masculino ou ainda em um terceiro formato: misto, que conta com a contribuição da plateia para escalar os atores e atrizes minutos antes da apresentação dividindo-os entre os personagens, e os que não são escolhidos, integram o coro.

Assim como o diretor, Vázquez, que se define como uma pessoal multirracial por conta da sua árvore genealógica, o elenco também reflete essa realidade na sua diversidade de gênero, etnia e raça.

A história da dramaturgia de Lorca se passa no interior de uma Espanha rural, numa vila onde mora a família Alba. A morte do segundo marido de Bernarda abre uma fenda na relação da matriarca com suas cinco filhas, impondo um período longo de oito anos de autoritarismo a elas. Angústias, Madalena, Amélia, Martírio e Adela são aprisionadas na própria casa pela mãe sem a possibilidade de usufruir de qualquer brecha de sociabilidade até que um episódio trágico acontece.

A atmosfera do espetáculo ainda nos transporta, por meio da espetacular trilha sonora, para uma guerra civil sem saídas, com uma população amedrontada, com receio do futuro. Mas tudo isso acontece lá fora, dentro da casa de Bernarda Alba, ela mesma é quem é a figura ameaçadora, com as cinco filhas e as duas empregadas, que se veem aprisionadas ali, naquela vida insalubre, naquele pesadelo que não passa.

Os dias parecem os mesmos: de desilusão e melancolia. A radicalização do texto de Lorca nos faz lembrar dos discursos absurdos da extrema direita no Brasil, entoados pelas bancadas do boi, da bala e da bíblia.

Os destaques do espetáculo, para além das ótimas atuações, dentre elas a de Diego Ribeiro, ficam para os majestosos figurinos da equipe do SENAC Lapa Faustolo, a trilha sonora pulsante e arrepiante de Felipe Zancanaro e o intimista cenário de Caio Rosa. Além disso, é preciso ressaltar o trabalho majestoso de Neni Benavente, coreógrafa e bailarina que preparou o elenco com os princípios do flamenco presentes em toda montagem.

Vale muito a pena conferir um dos melhores espetáculos em cartaz na cidade de São Paulo.

#RFCrítica | “A Casa de Bernarda Alba”, por Luiz Vieira (@luizvieira.art).

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Fonte: @responderfazendo

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