Celebrando 28 anos de vida, dos quais 17 instalados na praça Roosevelt (que nunca mais foi a mesma após sua chegada), o grupo Satyros celebra a liberdade de gênero em sua centésima peça, “Pink Star”.
Temática totalmente conectada com o mundo contemporâneo, onde o assunto apita tal qual uma chaleira em ebulição, despertanto amor ou ódio, como sabemos muito bem.
O texto da incansável dupla Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez — este também dirige a montagem — bebe nas principais teorias acadêmicas sobre sexualidade e gênero.
Entre elas está a da estadunidense Judith Butler, recentemente agredida e demonizada no Brasil por agressivos conservadores por conta de uma simplória palestra. E também está na lista de referências consultadas os pensamentos de Paul B. Preciado em seu “Manifesto Contrassexual”.
Cabral e Vázquez misturam tudo e jogam suas personagens em um país futurista, na verdade uma espécie de Brasil em 2501. Lá tabus sexuais já foram vencidos, pelo menos pela parte mais inteligente da população.
Contudo a ganância continua excitando a todos, como sempre.
Tudo gira em torno do assassinato de Purpurinex, primeira protagonista que Diego Ribeiro agarra com unhas e dentes, em grande atuação.
A personagem não é homem nem mulher, o que, evidentemente, causa uma certa confusão em quem mantém pensamentos moldados pelo binarismo.
Aliás, quem espera definições nesta vida sairá atordoado do espetáculo. Ainda bem.
Com boa dosagem de pop, os figurinos e perucas de Billy Eustáquio e Lenin Cattai são exuberantes, assim como a maquiagem multicor criada por Bel Friósi e Fabia Mirassos.
Apesar da leveza num primeiro olhar, a montagem dialoga fartamente com o Brasil chamuscado pelo ódio. Mas não deixa de ter reminiscências amorosas, como as referências explícitas no velório de Purpurinex ao velório de Phedra D. Córdoba, diva cubana do grupo que morreu em 2016.
Como a linguagem é a base de tudo, inclusive do preconceito, Cabral e Vázquez criam uma nova linguagem de gênero em seu texto. Assim não há artigo masculino ou feminino. Todos são todex — linguajar inclusive adotado por membros mais aguerridos do elenco.
Aliás, o elenco, jovem, numeroso e repleto de libido — como é comum nas peças do grupo — enche o palco de vida, com seus hormônios pulsantes assim como a coreografia de Emílio Rogê.
Apesar de alguns desníveis aqui e acolá no campo da atuação — algo também comum nas peças do grupo —, é evidente a entrega conjunta e a verdade com a qual o elenco abraça a temática da peça, que inaugura a purpurinada e necessária Trilogia Antipatriarcado.
Estão em cena Alex de Felix, Bel Friósi (sempre ressignificando seu corpo mignon), Billy Eustáquio, Cristian Silva, Daiane Brito (sempre um alento), Fabia Mirassos, Fabricia Mangolin, Fernanda Custodio, Guttervil (roubando a cena como uma fogosa e atrevida corista), Hanna Perez, Isabela Cetraro, Ju Alonso, Karina Bastos, Lenin Cattai, Lucas Allmeida (fechativa como uma drag incandescente), Maiara Cicutt (defendendo com afinco a personagem mais emblemática da peça), Marcelo Thomaz, Marcelo Vinci, Márcia Dailyn (na missão de ocupar o posto de Diva deixado por Phedra e fazendo bonito), Silvio Eduardo (em excelente construção vocal), Sofia Riccardi e Elisa Barboza, além de Lorena Garrido e Tiago Leal como eventuais substitutos.
Além de uma verdadeira aula sobre sexualidade e gênero que bebe dos principais pensadores sobre o assunto, “Pink Star” é uma peça utópica que clama por liberdade sexual e de gênero no futuro em meio a um país que teima por mergulhar outras vez nas trevas da ignorância e da violência contra o outro. Este é o mérito histórico deste espetáculo.
“Pink Star” ✪✪✪✪
Avaliação: Muito bom
Quando: Sexta e sábado, 21h. 110 min. Até 16/12/2017.
Onde: Estação Satyros (praça Franklin Roosevelt, 134, metrô República, tel. 11 3258-6345)
Quanto: R$ 40 (inteira), R$ 20 (meia) e R$ 5 (moradores da praça Roosevelt ou quem tiver canhoto de ingresso de outra peça do grupo)
Classificação etária: 16 anos
Fonte: Blog do Arcanjo