por João Varella
Só pude ver uma peça na mostra Satyrianas, organizado pelos bravos grupos teatrais da praça Roosevelt. O evento, que varou a madrugada paulistana entre os dias 1 e 4 de novembro oferecendo peças gratuitas coroa uma vitória na batalha pela restauração da região.
Resuminho rápido para quem não está a par do que rola pela referida zona paulistana: a praça Roosevelt é uma das maiores áreas abertas e de convivência do centro de São Paulo. Perde só para a praça da Sé e a República (acho) em termos de tamanho.
A péssima conservação do local, somada a uma horrenda estrutura de concreto by Paulo Maluf fez com que a quadra fosse tomada por consumidores de drogas.
Ivam Cabral e sua trupe d’Os Satyros resolveram enfrentar isso. Alguns apontam que o incentivo do baixo aluguel da região foi um atrativo maior para esse dramaturgo, mas não vejo demérito algum nisso. Certa vez, Cabral me disse que a ocupação do espaço público é a solução para a sensação de insegurança que bate à porta dos paulistanos.
Ele está coberto de razão e é bom lembrar disso em tempos de crescimento da violência assustando toda capital paulista. Quando você sente que há pessoas de bem à sua volta, que foi até a praça para curtir uma peça de teatro, por exemplo, a confiança aumenta. Mas isso não era suficiente. A praça era mal iluminada, cheia de pontos cegos ideais para quem quisesse abordar alguém de surpresa. Não é uma panaceia. Se fosse assim, teríamos Teatro Militar ao invés da Polícia Militar, mas é um importante passo.
Depois de muita pressão pública (isso dá certo, rapaziada, lembrem sempre deste caso aqui relatado) e alguma procrastinação do poder público, a praça finalmente foi inaugurada.
Só que não conhece a Roosevelt e seu contexto corre o risco de chegar lá e não entender nada. Que graça tem essa praça concretada? Pois é, a arquitetura da praça adotou soluções bem fracas. Fred Costa me apontou, por exemplo, que as rampas de acesso para cadeirantes são desprovidas de bossa.
A praça fica ainda mais quadrada por estar perto do Copan, cheio de sensualidade.
Perfeita não é, mas comemoremos.
Sobre o que era esse post mesmo? Satyrianas, claro. Voltemos.
Além de resolver um problema de segurança pública com cultura, o pessoal da Roosevelt tem o nobre valor de experimentar com o teatro. Levam essa arte até o limite dela.
Tá, em muitos casos acabam caindo na armadilha tentadora do chocar o público apenas como fim. Apelam para nudez, sexo, drogas, etc. Mas, mesmo assim, vejo mais mérito em quem falha tentando algo diferente do que nos autores que se acomodam em fórmulas fáceis.
O fato de a SP Escola de Teatro ter sido aberta lá – são também as primeiras Satyrianas no novo espaço – aponta que o teatro tem tudo para ganhar ainda mais fôlego em breve.
Como disse, infelizmente só consegui assistir a uma peça neste ano. Escolhi Venha Fazer um Teste para Ator. Só há um ator no palco, praticamente mudo e imóvel. Como o espaço é pequeno, a atuação delicada e com nuances leves de Gabriel Pinheiro resplandece.
Da mesa de som, o autor do texto Marcelino Freire descarrega seu texto cheio de metalinguagem, falando sobre as dificuldades de quem opta em se dedicar à atuação. Como estamos na praça Roosevelt, claro que os testes do sofá ganham destaque. E sim, sempre vai ter alguém para dar aquelas risadinhas quando o diretor disser “dar o cu”.
Essa curiosa marcação de cena propicia reflexões enormes. O diretor comanda por ego, manipula, pisa no ator, faz o que bem entende. Mas o ator parece ser mais que um boneco. As coisas ditas pelo diretor são pessoais do personagem ou ele está declamando a história comum a todos do ramo? Bom, esse é um começo de discussão. A boa arte é isso, uma plataforma para sua mente voar, tentado achar o sentido das coisas.
Venha Fazer um Teste para Ator é perfeita? Não. A atuação de Freire ao microfone cansa. Na tentativa de dar visceralidade, ele respira demais, põe ênfase além da conta em cada palavra. Porém, pode colocar esse na conta dos semi-defeitos. Como é uma obra de metalinguagem, isso pode ser justificado. Basta colocar essa característica apontada neste parágrafo no caldo da discussão do parágrafo anterior e pronto, pode servir a sopa. Metalinguagem é um refúgio fácil. Essa pequena crítica fica ainda menor se levarmos em conta que a obra tem quinze minutos. Nem dá tempo de cansar.
Essa pequena crítica fica microscópica se pensarmos em tudo o que o festival Satyrianas representa.
Fonte: Trilhos Urbanos