CORRENTE INVISÍVEL | Paraty e a revolução silenciosa

Paraty, uma cidade que carrega tantas memórias, é um daqueles lugares onde o tempo parece dançar entre o antigo e o novo, entre o palpável e o invisível. Suas ruas de pedra, as águas tranquilas que bajulam o cais, as montanhas que abraçam a cidade, tudo aqui parece conspirar para que o presente se misture com as camadas do passado.

Já estive aqui inúmeras vezes, especialmente durante o réveillon, acreditando que a energia deste lugar seria sempre o catalisador de renovações internas. O balanço do mar, o cheiro úmido da Mata Atlântica, o som constante das cachoeiras… Tudo me fazia crer que esses elementos eram o prenúncio de um recomeço, como se a natureza, com sua sabedoria ancestral, tivesse o poder de resetar a vida.

Foi numa dessas visitas que apresentei o mar ao Chico, meu labrador caramelo. Para ele, o mundo se desdobrava em novas e empolgantes descobertas a cada passo. Chico, com seus olhos brilhando de curiosidade, corria pela areia como se estivesse desbravando um universo inédito, e talvez estivesse. A água gelada das cachoeiras, que para mim era revigorante, para ele parecia uma festa. Cada pedra, cada árvore, cada correnteza era um convite à felicidade. Paraty nos proporcionou muitos momentos assim: caminhadas sem pressa pelas trilhas densas da Mata Atlântica, banhos de rio em águas que correm como se soubessem o caminho certo a seguir. Ali, entre o verde intenso da floresta e o azul profundo do mar, era fácil acreditar que a vida estava em equilíbrio.

Mas algo mudou. O que antes era uma tranquilidade quase solitária agora se transforma em uma agitação vibrante. Nunca vi tanta gente em Paraty como vejo durante a Flip, a Feira Literária Internacional. As ruas, antes calmas, estão tomadas por uma multidão. E não é qualquer multidão: são mentes curiosas, ávidas por palavras, por ideias, por encontros. Durante o réveillon, a cidade sempre ficava cheia, claro, mas a energia da Flip é diferente. É como se Paraty estivesse transbordando de vida intelectual, como se cada esquina fosse palco de discussões que, certamente, poderão mudar o mundo.

É impressionante ver o quanto a cultura tem o poder de atrair, mover e transformar. Pensar que um evento literário pode lotar pousadas, fazer restaurantes funcionarem a todo vapor e, ao mesmo tempo, ser o epicentro de conversas profundas sobre o sentido da vida e da arte, é algo que me enche de esperança.

A cultura, muitas vezes subestimada em seu potencial de impacto econômico, representa 3,11% do PIB do Brasil. Esse percentual é comparável a setores como a indústria automobilística e a construção civil, que movimentam grandes engrenagens e sustentam números semelhantes no cenário econômico nacional. E não é apenas sobre entretenimento ou beleza que estamos falando. É sobre transformação real. A cultura não alimenta apenas sonhos. Antes, gera empregos e fortalece comunidades.

Por quatro dias, Paraty se transforma no epicentro de uma revolução silenciosa, onde livros, palavras e encontros impulsionam a economia e reafirmam a importância de investirmos em arte, educação e pensamento crítico.

Há algo de profundamente esperançoso nisso. Em meio a essa maré de pessoas, livros e debates, sinto que o futuro ainda guarda mais espaço para a leitura, para o conhecimento e para a educação.

A cultura, essa corrente invisível que nos conecta e nos define, vai continuar sendo nossa guia. Quem sabe, num futuro próximo, todos os nossos “Chicos”, sejam eles cães curiosos ou jovens em formação, possam não só descobrir o mar, mas também navegar pelos oceanos vastos da sabedoria que os livros, as artes e o pensamento crítico nos oferecem. Porque, afinal, são as palavras que têm o poder de realmente mudar o mundo.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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