Com a Argentina, Cuba descobre o silêncio

Estive em Cuba três vezes: a primeira, em 2008, com a peça “Liz”, escrita pelo cubano Reinaldo Montero; a segunda, em 2011, para apresentar “Cosmogonia – Experimento nº  1”, também com a minha companhia, Os Satyros. A última, no ano passado para participar da Semana de Lecturas Dramatizadas de Teatro Brasileño Actual, no centro cultural Casa del ALBA, quando foi lido um texto meu, “Faz de conta que tem sol lá fora”, que, lá, ganhou o nome de “Hazte idea de que hay sol allá afuera”.

Em todas as vezes que pisei na ilha, a impressão foi a mesma: a de que se trata de um povo culto, educado, mas, principalmente engajado, consciente e dono de um humor um tanto sarcástico. E essa sensação foi corroborada na noite de ontem, durante a palestra que o crítico e pesquisador teatral cubano Omar Valiño fez na Biblioteca da Sede Roosevelt da nossa SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco.

Valiño disse que iria abordar o panorama contemporâneo do teatro cubano e esperava ser recebido da mesma forma “calorosa” que seus conterrâneos médicos o foram ao chegarem ao Brasil para o polêmico Programa Mais Médicos. Nem preciso dizer que, a partir daí, nosso amigo cubano ganhou a plateia, em sua maioria formada por aprendizes de Dramaturgia da Escola.

E como Valiño é fundador da editora Tablas-Alarcos, instituição do Conselho Nacional das Artes Cênicas de Cuba, da qual é também diretor e editor-chefe da revista Tablas e das Edições Alcarcos, usou alguns dos livros publicados por sua editora para discorrer sobre o tema de sua palestra: a cena teatral contemporânea em Cuba.

Valiño falou com entusiasmo especial de “Siete obras”, do argentino Daniel Veronese. Segundo o pesquisador, o teatro cubano é meio “estridente”, irado, talvez devido ao sangue latino que corre em suas veias. E, em sua opinião, Veronese contrapõe esta ideia porque trabalha com a desteatralização, em textos repletos de sutilezas e de silêncios que falam. Daí sua importância para o teatro cubano contemporâneo, mostrando que menos, muitas vezes, pode ser mais.

A influência de Veronese é sentida em obras contemporâneas da ilha de Fidel, como a peça “Talco – un drama de tocador”, criação coletiva do grupo de teatro cubano Argos, que também está no catálogo da editora Alarcos. Aliás, o espetáculo foi muito bem recebido por aqui, durante a 8ª Mostra Latino-Americana de Teatro de Grupo de São Paulo, que aconteceu em abril, no Centro Cultural São Paulo.”

Ainda na opinião de Valiños, Veronese é um autor que tem influenciado positivamente os novos dramaturgos cubanos. Para ele, o escritor argentino reflete no palco a inquietação atual, analisando o contemporâneo, sem nunca perder de vista a tradição.

A conversa com Valiños seguiu animada por muito tempo, além de nossa Biblioteca. No hall de entrada da Escola, o pessoal que acompanhou a discussão insistia em formular questões que foram sempre debatidas pelo nosso amigo cubano com o maior carinho. E viva!

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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