Se você me encontrar com relógio e anel, saiba: naquele dia eu sou psicanalista. Não que, sem eles, eu deixe de ser. Mas eles, de alguma maneira, me lembram do ofício. No dia a dia, aliás, nunca usei relógio. Nunca. É como se meu pulso tivesse aprendido, desde menino, a respirar fora do tempo. E, […]
LUTO | Resolvi escrever uma carta para você
Meu amor, Resolvi escrever uma carta para você, apesar de falarmos todos os dias, o dia todo. Escrevo porque queria te dizer coisas que a fala não alcança e só o silêncio pode suportar. E porque, mesmo sabendo que ninguém pode atravessar essa perda no seu lugar, ainda assim quero te estender a mão. Mas […]
CRÔNICA | Um amor que conhece a despedida
Hoje conheci um pouco mais do amor. Eu o descobri na penumbra, no intervalo entre um gesto e outro, no silêncio onde ele se esconde. Sei mais agora – não tudo, nunca tudo – sobre esse amor que não pede licença nem explicação, que se entranha no cuidado e já nasce com a dignidade de […]
ADEUS | Carmelinda Guimarães: uma mulher elegante, muito elegante
O mundo era outro em 1989, quando cheguei a São Paulo para tentar a vida no teatro. Era muito menos complexo, mas muito mais fechado. Não existia teatro de grupo, não existia trânsito entre os que haviam chegado a algum lugar dentro do teatro e os que estavam começando. Até porque começar significava ter frequentado […]
CRÔNICA | Uma tragédia em preto e branco
Há quem diga que a vaidade não mata, mas deixa sequelas. Ontem eu descobri que também mancha, arde, esfola. E ainda faz você chegar a um restaurante elegante com cara de quadro cubista. Tudo isso por uma boa causa: homenagear uma amiga queridíssima em seus noventa anos. Nove décadas. Não é todo dia que alguém […]
A VIDA DA GENTE | O coração pequenininho
Hoje meu coração doeu. Encolheu até caber na palma da mão, como uma caixinha frágil, incapaz de conter tudo o que ainda pulsa. Falei com uma amiga querida, que cuida de sua mãe, acamada há mais de dois anos, depois de sucessivos AVCs. Desde então, o corpo já não obedece. Apenas respira, como quem se […]
NA SUÉCIA | Neve no Brasil: um silêncio que se recusa a morrer
O grupo Darling Desperados, fundado em Malmö em 1987, foi – dizem crítica e público saudoso – “um sopro, um rasgo no tecido de um tempo, pequenas tempestades que mudaram a paisagem de uma cidade inteira”. No início dos anos 1990, quando ainda era possível acreditar que a arte podia não apenas provocar, mas também […]
DECOLONIALIDADE | O grito e as brechas
Algumas escolas de teatro ensinam a projetar a voz, a entrar em cena, a cair com elegância. E outras escolhem, com uma certa teimosia poética, ensinar a cair do mundo e refazê-lo. Um pedaço por vez, como quem varre a casa depois de um terremoto. A Ernst Busch, em Berlim, é dessas que, apesar do […]
CRÔNICA | O tempo é um sujeito impiedoso
Fiquei pensando em uma frase que li ontem, amplamente atribuída a Shakespeare, mas que, ao que tudo indica, teria sido escrita por Henry Van Dyke, que diz: “o tempo é muito lento para os que esperam, muito rápido para os que têm medo, muito longo para os que sofrem, muito curto para os que festejam. […]
ADEUS | Para Silvio, com Teatro
Silvio Pozatto desviveu hoje. Para falar de morte, desviver é verbo que eu prefiro. Não se trata apenas de morrer, mas de deixar de pulsar num mundo onde a presença era mais que corpo. Era gesto, luz, voz, memória. Silvio era dessas presenças que habitam mais do que ocupam. Um homem de cena e de […]