Encenador brasileiro Rodolfo García Vázquez é o único latino-americano a participar do projeto Alexandria Nova, que une o teatro do norte da Europa
O diretor teatral Rodolfo García Vázquez é atualmente o encenador brasileiro com maior repercussão internacional. Prova disso é que ele acaba de desembarcar da Lituânia, país no norte báltico da Europa, onde abriu o congresso internacional do projeto Alexandria Nova, que reúne cursos de direção teatral de universidades de nove países do norte da Europa, com a palestra “Amanhecer Brasileiro”. Ele foi o único brasileiro e latino-americano a participar do encontro.
Sob o título “Presence/Distance: artistic research in performing arts”, o evento teve apoio da União Europeia e reuniu entre 23 e 29 de setembro alguns dos principais pensadores contemporâneos das artes cênicas. Na sequência, em 14 de outubro, Vázquez ainda ministrou palestra sobre o ensino decolonial da SP Escola de Teatro no Fórum Internacional Unrehearsed Futures – Futuro Não Ensaiado, uma parceria do Drama School Mumbai, da Índia, com Embodied Poetics, de Londres, na Inglaterra, e o CTDPS (Centre for Theatre, Dance & Performance Studies), da Cidade do Cabo, na África do Sul.
Rodolfo García Vázquez é cofundador da Cia. Os Satyros ao lado de Ivam Cabral, grupo com 32 anos de atuação nos palcos brasileiros e internacionais e que ganhou maior projeção mundial com o teatro digital realizado durante a pandemia, sobretudo com a premiada The Art of Facing Fear, peça apresentada em cinco continentes. O artista ainda coordena o curso de Direção da SP Escola de Teatro, instituição ligada à Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, além de ter sido da equipe idealizadora da MT Escola de Teatro, em Mato Grosso.
De volta a São Paulo, o encenador, que faz doutorado em Artes Cênicas na ECA-USP, conversou com exclusividade com o sobre o momento especial que vive. Leia com toda a calma do mundo.
Miguel Arcanjo Prado – Como foi sua experiência na recente viagem à Lituânia?
Rodolfo García Vázquez – Foi uma experiência bastante importante, pois foi a primeira ação oficial do projeto Alexandria Nova de que a Adaap (Associação dos Artistas Amigos da Praça) tomou parte como membro oficial. Foi uma forma de apresentar nossa SP Escola de Teatro para todas as universidade europeias participantes do projeto. Também foi importante pela possibilidade de entender os desafios da pedagogia do teatro em grandes instituições europeias e perceber o que nos aproxima e o que nos distancia da realidade de lá.
Miguel Arcanjo Prado – Como foi sua fala na abertura do congresso e como foi recebido?
Rodolfo García Vázquez – Na Lituânia, eu basicamente falei sobre a importância da resistência do teatro em tempos de pandemia, dos desafios que nós, artistas brasileiros, temos enfrentado e da necessidade de reinvenção do teatro. Foi um momento muito emocionante, pois era o primeiro encontro desses artistas e pedagogos depois de quase dois anos de isolamento.
Na Lituânia, falei sobre a importância da resistência do teatro em tempos de pandemia,
dos desafios que nós, artistas brasileiros, temos enfrentado
e da necessidade de reinvenção do teatro.”Rodolfo García Vázquez, diretor
Miguel Arcanjo Prado – A cena internacional do teatro se interessa pela produção brasileira? Quais interesses você percebe, sobretudo na Europa?
Rodolfo García Vázquez – Acredito que o Brasil chama a atenção justamente por suas chagas, infelizmente. É um país que escancara as desigualdades sociais de forma brutal. Em cada esquina de qualquer cidade deste país, a injustiça social surge como uma ferida aberta. Na Europa, as diferenças sociais são escamoteadas, mas os artistas sabem que elas existem. As discussões identitárias entre nós estão despertando uma consciência política de urgência que chama a atenção da cena europeia.
Miguel Arcanjo Prado – Foram quantos dias na Lituânia? Qual sua impressão do país e de seus habitantes? E do teatro de lá?
Rodolfo García Vázquez – Nunca tinha estado na Lituânia. É um país com forte tradição teatral, apesar de pequeno e pouco divulgado nos grandes centros europeus. Alguns de seus diretores e diretoras dirigem em grandes salas da Europa. O encontro foi em Vilnius, capital da Lituânia, uma cidade cheia de encantos e história. As pessoas se surpreendiam quando descobriam que eu era brasileiro e faziam muitas perguntas, pois recebem poucos turistas brasileiros por lá, e os trópicos sempre exercem um grande fascínio do imaginário dos países mais ao norte da Europa. O teatro lituano é muito antenado com os movimentos europeus. O que mais me surpreendeu foi o trabalho que desenvolvem com o teatro para a primeira infância. Vi um pequeno experimento com teatro para bebês e crianças até 4 anos de idade que considerei bastante sensível e comprometido.
Miguel Arcanjo Prado – Você era o único brasileiro e latino-americano no congresso?
Rodolfo García Vázquez – O congresso era formado por pedagogos e estudantes de cursos de direção teatral de universidades de sete países do norte da Europa (Alemanha, Dinamarca, Finlândia, Lituânia, Noruega, Islândia e Suécia). A SP Escola de Teatro e sua parceira MT Escola de Teatro eram as únicas instituições de fora da Europa. É uma grande honra para a Adaap poder participar de um fórum internacional desse porte.
Miguel Arcanjo Prado – Qual a importância dessa viagem para você como diretor do Satyros e também como doutorando na ECA-USP e coordenador do curso de Direção na SP Escola de Teatro?
Rodolfo García Vázquez – Acredito que é fundamental a participação do Brasil em um momento de grandes desafios para o teatro mundial, onde muitos dos alicerces da tradição do fazer teatral estão sendo questionados. Carregamos um passado de opressão colonial que afetou diretamente a evolução histórica do teatro brasileiro. Estamos decolonizando esse fazer de forma exemplar, como vem fazendo a SP Escola de Teatro desde sua fundação há mais de dez anos. E essa é uma contribuição fundamental que nós podemos levar para o centro do debate do teatro mundial.
Fonte: Blog do Arcanjo