Aydee, nossa pombinha

Não dava pra saber a idade de dona Aydee. Bonita, elegante e muito vaidosa, era professora aposentada e vivia na Praça Roosevelt há muito anos, com uma irmã mais velha, que morreu no início do ano. Aliás, desde a morte da irmã, dona Aydee já começou a demonstrar um certo enfado pela vida.

Fomos ficando íntimos com o passar do tempo. Bastante íntimos, inclusive. Era pra mim que ela ligava quando precisava resolver qualquer coisa em seu computador. Dona Aydee amava o Facebook e não conseguia viver sem ele.

Discreta, nunca nos contou sobre a gravidade de sua doença. Nos últimos tempos, já com bastante dificuldade para caminhar, ligava pra mim para ir com ela ao Caixa 24 Horas, aqui da Praça. Fizemos isso várias vezes.

Encontrei agora com a dona Gilda que me contou que na UTI do hospital, em seus últimos momentos, ela chamava por mim e por Cléo. Meu coração disparou. Eu teria feito qualquer coisa para estar ao seu lado, caso soubesse de sua internação. Não soube, estava em Curitiba, no Festival de Teatro.

Conhecemos dona Aydee, em 2009, durante as apresentações da peça Roberto Zucco. Tinha um momento do espetáculo em que Cléo fazia uma cena numa área externa do Satyros Um, que dá para a nossa sala de apresentações. Através de uma janela de vidro, o público assistia ao desespero de sua personagem, que procura pelas ruas da cidade sua irmã mais nova. Na cena, chovia e ela implorava:

— Onde está minha pombinha? Em que sujeira se meteu? 

Depois de algumas apresentações, começamos a ouvir uma voz, que vinha de uma janela, de um dos apartamentos vizinhos, que dizia:

— Estou aqui, aqui. Fique calma, meu amor…

Um tempo depois, recebemos a visita de uma senhora na plateia do espetáculo. Ao final da sessão, ficamos sabendo que se tratava de dona Aydee, nossa pombinha.

A partir daí, nos tornamos íntimos. E foram muitas as vezes que a dona Aydee esteve conosco em nosso teatro. Não perdia uma de nossas peças. 

Dois anos atrás, enquanto eu estava em Curitiba, dona Aydee morreu, depois de ter as pernas amputadas pela falta de circulação sanguínea, devido a uma diabetes que ela nunca revelou a ninguém. Em seu leito de morte, nossa pombinha ainda se lembrou de chamar por mim e por Cléo…

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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