As Mariposas do Satyros levantam voo no teatro digital em noite de verão

Por Miguel Arcanjo Prado
Fotos Annelize Tozetto

O clima quente e úmido é propício para as mariposas. E fazia calor na última sexta-feira em São Paulo, um típico dia de verão. Mas a praça mais emblemática do centro da cidade estava ainda mais efervescente. Sobretudo em um lugar: o Espaço dos Satyros, verdadeiro coração da praça Roosevelt.

Marcia Daylin, Silvio Eduardo e Henrique Mello – 19/2/2021 – Foto: Annelize Tozetto – blogdoarcanjo.com

O famoso palco paulistano abrigou pela primeira vez, desde o começo da pandemia, uma peça de teatro. Trata-se de As Mariposas, nova montagem da Cia. de Teatro Os Satyros, recentemente premiada na Índia e nos Estados Unidos pela internacionalização de seu teatro digital colaborativo, sua grande aposta em 2020 como forma de sobrevivência aos duros tempos.

O ator Henrique Mello na estreia da peça As Mariposas, da Cia. de Teatro Os Satyros – 19/2/2021 – Foto: Annelize Tozetto – blogdoarcanjo.com

Quando a reportagem do Blog do Arcanjo chegou ao local, devidamente mascarada e distanciada, viu a porta do teatro fechada. Quem passasse à frente jamais imaginaria a magnitude do que estava montado lá dentro. Entrando pela porta dos artistas, com acesso detrás da portaria do edifício no qual fica o escritório e a sala teatral do Satyros, chegamos ao camarim, onde dois artistas já se encontravam nas preparativas para a estreia: Marcia Dailyn, a carismática diva do Satyros e da praça Roosevelt, e Henrique Mello, conhecido muso do Satyros e cada vez mais um ator experiente e seguro. Minutos depois, chegou Silvio Eduardo, ator e produtor do grupo, já caracterizado com lentes de contato que lhe dão a aparência robótica que é um dos trunfos visuais da peça futurista.

O ator Silvio Eduardo na estreia da peça As Mariposas, da Cia. de Teatro Os Satyros – 19/2/2021 – Foto: Annelize Tozetto – blogdoarcanjo.com

Ao receberem as flores trazidas pelo repórter Miguel Arcanjo Prado e a fotógrafa Annelize Tozetto, os três se emocionaram. Minutos depois, Marcia correu em sua bolsa e mostrou à reportagem seu perfume Chanel. “Faço questão dos detalhes”, explicou, ao oferecer uma borrifada ao jornalista.

A diva Marcia Dailyn na estreia da peça As Mariposas, da Cia. de Teatro Os Satyros – 19/2/2021 – Foto: Annelize Tozetto – blogdoarcanjo.com

 

O ator Henrique Mello na estreia da peça As Mariposas, da Cia. de Teatro Os Satyros – 19/2/2021 – Foto: Annelize Tozetto – blogdoarcanjo.com

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O ator Silvio Eduardo na estreia da peça As Mariposas, da Cia. de Teatro Os Satyros – 19/2/2021 – Foto: Annelize Tozetto – blogdoarcanjo.com

A direção de arte mistura no espetáculo cortinas de veludo vermelhas com luzes frias de LED, além de um grande globo espelhado no teto que deixaria os fundadores do lendário clube nova-iorquino Studio 54 morrendo de inveja. Como é praxe no grupo que leva a fama de ser o maior ícone do teatro underground brasileiro, o passado, o presente e o futuro se misturam em sua estética na peça que mostra a vida da humanidade daqui a 100 anos, com o planeta já sem flora e fauna, avatares cumprindo as relações sociais e pessoas sob jugo de um presidente-ditador e seus 87 filhos.

A atriz Marcia Dailyn na estreia da peça As Mariposas, da Cia. de Teatro Os Satyros – 19/2/2021 – Foto: Annelize Tozetto – blogdoarcanjo.com

Marcia Dailyn conta que na peça faz homenagem “às minhas velhas”, que é como ela chama as artistas transexuais pioneiras, como a cubana Phedra D. Córdoba, de quem herdou o título de diva da praça Roosevelt. A peça ainda tem homenagens “a Miss Biá, Vânia Mattos e Jane Di Castro”, todas artistas trans falecidas em 2020, além do “Primo Bianco, o gato da Phedra que morreu recentemente e me deixou muito mexida, até porque eu também tenho o meu gato Mustafá”, explica.

Enquanto Marcia faz experimentações das múltiplas perucas à sua disposição, em outro canto termina a maquiagem de sua personagem, uma diva que domina as dublagens, o ator Henrique Mello. Ele conta que “se monta desde muito jovem”, além de revelar ser fã assíduo do reality RuPaul Drag Race, que lhe serviu de laboratório para sua personagem. Enquanto Henrique põe uma tiara de plumas azuis na cabeça, Silvio Eduardo faz os testes em seu cubo de LED, no qual seu personagem robótico interage a distância com a atriz Sabrina Denobile, que faz par com ele como dois algoritmos que ditam o futuro da humanidade de dentro dos computadores.

A atriz Marcia Dailyn na estreia da peça As Mariposas, da Cia. de Teatro Os Satyros – 19/2/2021 – Foto: Annelize Tozetto – blogdoarcanjo.com

De repente, Marcia se lembra de algo muito importante e avisa que preparou, naquela mesma tarde, como forma de se acalmar para a estreia, um “bolo de abacaxi bem molhadinho, receita da minha mãe”, que oferece a todos. Ao saber que a reportagem seguiria na sequência para a casa dos autores de As Mariposas, no outro canto da cidade, a diva separou um pedaço e pediu: “Diga que mandei para eles com todo o amor do mundo”.

Terminada a primeira parte, a reportagem embarca no carro que, em pleno horário de pico de uma sexta-feira em São Paulo, atravessa 40 quilômetros da cidade em duas horas até chegar à casa de Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez, que fundaram a Cia. de Teatro Os Satyros em 1989. Ambos vivem no bairro de Parelheiros, no extremo sul paulistano, às margens da represa de Guarapiranga.

A reportagem chega em cima da hora, faltando três minutos para a peça começar. Há um clima de apreensão no ar por conta da estreia. Ivam Cabral já está posicionado no quarto, de onde faz a maior parte de suas cenas, enquanto Rodolfo acompanha tudo do computador na sala de estar, ao lado do cachorro Chico, que faz questão de assistir com o dono ao espetáculo. Oferece água a reportagem, pede de todos fiquem cômodos e vejam a peça junto dele em seu notebook.

O diretor Rodolfo García Vázquez na estreia da peça As Mariposas, da Cia. de Teatro Os Satyros – 19/2/2021 – Foto: Annelize Tozetto – blogdoarcanjo.com

Dedicado, é o próprio Rodolfo quem autoriza a entrada do público para dentro da sala do Espaço Digital dos Satyros na Sympla, como sempre fez no Espaço dos Satyros da praça Roosevelt, no qual costuma recolher os ingressos do público na entrada da sala em dias de estreia. Com um caderno à mão, faz anotações o tempo todo durante o espetáculo, para depois passar para o elenco os pontos positivos e também o que precisa ser melhorado. “Mas, agora, não tenho mais o que fazer. Agora é entregar pra Deus e acompanhar. O diretor só assiste. Depois que começa, a peça está na mão dos atores”, diz.

No caso de As Mariposas essa frase tem ainda mais sentido, já que os próprios atores criam uma espécie de filme ao vivo. “São meus atores, editores, iluminadores, montadores, câmeras, contrarregras, maquiadores, diretores de fotografia, tudo ao mesmo tempo e ao vivo. Cada ator em sua casa ou no Espaço dos Satyros é uma equipe de cinema completa”, lembra Rodolfo, que também assina a bela iluminação do espetáculo.

Além do Espaço dos Satyros na praça Roosevelt, onde atuam Henrique Mello, Marcia Dailyn e Silvio Eduardo, e da casa de Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez em Parelheiros, ainda são cenários do espetáculo outras oito locações: a casa dos atores Gustavo Ferreira e Diego Ribeiro em Mairinque, a casa do ator Fábio Penna na descida da serra para Caraguatatuba, e as casas em São Paulo dos atores Eduardo Chagas, Ju Alonso, Julia Bobrow, Nicole Puzzi, Mariana França e Sabrina Denobile. O time ainda é completado pela direção de arte assinada por Adriana Vaz e Thiago Capella — também cenotécnico —, com assistência de Letícia Gomide nos figurinos e design de aparência construídos em conjunto com o elenco. Além de precisa operação técnica de Flavio Duarte, de corte cirúrgico.

O ator Ivam Cabral na estreia da peça As Mariposas, da Cia. de Teatro Os Satyros – 19/2/2021 – Foto: Annelize Tozetto – blogdoarcanjo.com

A reportagem observa ao vivo o que Rodolfo explicou. Entre uma cena e outra, por exemplo, o ator Ivam Cabral corre com o computador e câmera do quarto para o porão da casa, descendo uma apertada escada em formato caracol, para fazer em cima de uma mesa uma belíssima e forte cena na qual contracena com a atriz do Satyros e grande musa do cinema brasileiro Nicole Puzzi. Intensamente presente em cena, Ivam cria ângulos inusitados para o público, que acompanha tudo no conforto de seus lares.

Ao fim do espetáculo, esquentam uma pizza para comer com a reportagem na varanda de casa, celebrando a estreia. Na despedida, Ivam faz questão de agradecer. “Obrigado por terem vindo, foi tudo muito especial”. Ao que Rodolfo complementa: “É a primeira vez que recebemos uma reportagem assim, ao vivo, desde o começo da pandemia, tinha de ser vocês”.

O ator Ivam Cabral na estreia da peça As Mariposas, da Cia. de Teatro Os Satyros – 19/2/2021 – Foto: Annelize Tozetto – blogdoarcanjo.com

E o público compareceu em peso no primeiro fim de semana de As Mariposas: 700 pessoas assistiram às três primeiras sessões do espetáculo, que agora segue em cartaz de quinta a sábado, às 21h, e domingo, às 18h, pelo menos até o fim de abril com ingressos a R$ 10 como forma de colaborar com os artistas ou grátis para quem não puder pagar.

O ator Ivam Cabral na estreia da peça As Mariposas, da Cia. de Teatro Os Satyros – 19/2/2021 – Foto: Annelize Tozetto – blogdoarcanjo.com

Pelo jeito, As Mariposas tem tudo para repetir o grande feito de A Arte de Encarar o Medo, peça digital do grupo em 2020 que se tornou o grande marco do teatro digital e foi vista por mais de 30 mil pessoas no mundo. A obra  de Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez teve três montagens com elenco internacional apresentadas em quatro diferentes continentes e foi premiada na Índia e nos Estados Unidos. Tudo indica que o voo digital de As Mariposas será quente, alto e longo, como em uma noite quente de verão.

Fonte: Blog do Arcanjo

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
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