AO FUTURO! | O exílio, o retorno e a travessia

No início dos anos 1990, o Brasil era outro Brasil. O país estava nas mãos de Fernando Collor de Mello, e a cultura, essa artéria vital que mantém pulsando nossa imaginação coletiva, sangrava. Não havia sequer um ministério da cultura. Eu tinha vinte e poucos anos e, ao lado de Rodolfo García Vázquez, recém-encontrado companheiro de sonhos, havia fundado Os Satyros. Mas o futuro parecia um deserto: triste, árido, sem nenhuma perspectiva.

Foi nesse cenário que escolhemos um gesto radical: o exílio voluntário. Não imposto, mas desejado, pensado, maturado. A fuga não como abandono, mas como estratégia de sobrevivência. Lisboa tornou-se nossa casa entre 1992 e 1999. Sete anos de histórias incríveis, de suor e invenção, de encontros que redesenharam destinos. Ali formamos muitos atores, muitos deles hoje protagonistas do teatro português. Uma geração inteira brotou das oficinas livres dos Satyros.

Foi nesse tempo inaugural que conhecemos Rui Germano, um jovem estudante de direito que se deixou seduzir pelo palco. Rui entrou nas oficinas e dali não saiu mais. Escolheu o teatro, escolheu a comunidade, escolheu o caminho onde a arte e a vida se confundem.

O tempo passou, virou história, e nós viramos adultos. Rui está em Rio Maior, no Ribatejo, a cerca de uma hora de Lisboa, cultivando sua própria colheita: teatro e comunidade, beleza e pertencimento. E há alguns anos, atravessa o Atlântico para partilhar sua experiência como professor convidado na SP Escola de Teatro, em São Paulo, e na MT Escola de Teatro, em Cuiabá.

Desta vez, porém, nosso encontro tem um sabor especial. Rui veio de Portugal para conhecer os dez estudantes que, em novembro, viajarão para o intercâmbio em Rio Maior. Um gesto raro, inaugural, que une mundos. Nossos jovens brasileiros apresentarão um experimento nascido em São Paulo, agora compartilhado com a equipe do Beleza Teatro — associação criada por Rui — e com o Agrupamento de Escolas Fernando Casimiro Pereira da Silva de Rio Maior.

Ontem, eu e Rodolfo e Guadalupe estivemos na sala onde o grupo prepara o trabalho. Foi tão, mas tão emocionante! Era como se os fios invisíveis do tempo se encontrassem ali: Lisboa dos anos 1990, São Paulo de hoje, o futuro que já se desenha.

E isso não é tudo: em setembro, dez estudantes viajarão para a Alemanha e dois para a Noruega. Tudo pago — passagens, hospedagem, alimentação. Atravessam fronteiras com a leveza de quem sabe que a arte é passaporte.

Sim, este é o mundo em que acredito. Aquele em que a utopia deixa de ser apenas palavra e se transforma em prática, em gesto, em travessia.

Ator, roteirista e cineasta. Co-fundador da Cia. Os Satyros e diretor executivo da SP Escola de Teatro.
Post criado 1905

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