Atriz talentosa e respeitada por autores, diretores, crítica e pelos próprios colegas de ofício, Ana Beatriz Nogueira completa 35 anos de carreira fazendo sua estreia no teatro digital com a peça solo Tudo Que Eu Queria te Dizer. O texto de Martha Medeiros sob direção de Victor Garcia Peralta chega ao ambiente virtual neste sábado (1º), com sessões aos sábados de agosto, às 18h, na plataforma Sympla.
Na obra, a artista carioca de 52 anos interpreta cinco cartas ficcionais que compõem o livro homônimo da escritora gaúcha, dando vida às personagens Renata, Andressa, Clô, Dirce e Clarissa.
A primeira versão de Tudo Que Eu Queria Te Dizer estreou no Rio de Janeiro em 2010, no Centro Cultural Correios, percorreu várias cidades do Brasil, e voltou para mais duas temporadas no Rio, ficando em cartaz até 2012, e fez temporada de sucesso em São Paulo em 2016. Agora estreia neste formato inaugurado pelo ator Ivam Cabral, do Satyros.
Direto de sua casa no Rio de Janeiro, Ana Beatriz conversa com exclusividade com o Blog do Arcanjo sobre esta nova etapa e o mergulho no novo digital. Ela ainda opina sobre como enxerga este período de pandemia, confessa seus medos, dá detalhes da composição da peça, lembra momentos importantes da longeva carreira e ainda convida a todos a estarem com ela digitalmente.
Miguel Arcanjo Prado – Como é completar 35 anos de carreira neste momento tão delicado para o teatro?
Ana Beatriz Nogueira – Miguel, eu penso que eu comemoro esses 35 anos da mesma forma ou até mais porque estou aprendendo muito. Este momento é extremamente delicado. O que está acontecendo em nosso país, no mundo todo, uma tragédia. Aqui, no Brasil, os nossos governantes nada fazem, ao contrário; então é duro porque a gente não tem como não sentir medo, também não tem como não sentir por todos que estão partindo, por todo o sofrimento, as famílias que estão perdendo seus entes queridos, por tudo que eu e você temos visto nos jornais, na TV. E cada vez mais pertinho da gente, já com pessoas conhecidas nossas, entes queridos. Então, é um momento do mundo muito estranho de se comemorar qualquer coisa, a ‘comemoração’ é a palavra que eu estranho, mas estar completando os 35 anos de carreira, e fazendo teatro ainda que através de uma telinha, telona, tablet, me deixa orgulhosa de que a gente tem uma força imensa, e nem que tenhamos que inventar a 9ª arte, como citou Aderbal na Folha de S. Paulo, se precisar a gente inventa, mas que o teatro se move, o teatro se transforma, o teatro passa por mudanças, mas o teatro não para, ainda que seja dessa maneira, para que a gente possa esperar a volta dos espectadores à sala de espetáculo, à sala de teatro, nós permanecemos em exercício, e permanecer em exercício do meu ofício é para mim uma comemoração (mais uma vez eu digo essa palavra me é estranha neste momento), mas é uma afirmação da minha vocação, uma afirmação de que essa arte milenar não morre nunca; e de que eu de fato sou absolutamente apaixonada pelo que eu faço e não desisto, eu sigo o exemplo do teatro, não desisto.
Miguel Arcanjo Prado – Por que você resolveu entrar também na seara do teatro digital? O que vem achando dessa nova possibilidade?
Ana Beatriz Nogueira – Esse pedaço do digital tem sido um aprendizado, estava comentando assim, tudo é aprendizado, como não ser? Nunca passei por isso, nenhum de nós. A última grande peste foi a gripe espanhola, eu acho, algo característico de pandemia, algo assim deste tamanho. O Teatro feito através do vídeo, do streaming, enfim, eu não sou a melhor com nomenclaturas de internet, sempre fui um ‘dinossaura’, mas até isso estou tendo que me modernizar para poder fazer. Eu aprendo, peço ajuda; e acho que a gente consegue tocar o coração das pessoas ainda que com uma telinha nos separando; e fazendo teatro porque a gente faz isso nas novelas, no cinema, mas o teatro a gente precisa daquele espectador, precisa muito dele, então a gente precisa ter uma imaginação maior ainda, para imaginá-los lá com você, imaginar o que poderia ser a reação deles, reagir ao seu imaginário. Então, é um exercício, uma ‘cambalhota’, mas é uma cambalhota com toda a alegria de estar em cena e de fazer teatro, porque permanece sendo teatro. Quando você descreve alguma coisa, quando você conta uma história e você não está no lugar, você não está mostrando a coisa, você não está realisticamente naquilo, e todo mundo do outro lado da telinha está imaginando e vendo cada um à sua maneira, vendo a imagem que você está contando, você está fazendo teatro. Enquanto houver textos, atores, e eu costumo dizer se tiver ‘um na plateia’ como já é comum ter no teatro, e eu quis muito colocar muito ‘esse um na plateia’, para que o fenômeno se desse por completo; eu agora em casa vou fazer sem ‘esse um’ na plateia, mas eu tenho imaginação fértil. Então, eu vou imaginar muita gente na plateia, vou imaginar só coisas boas, por que estou aprendendo, ainda mais fazendo uma transmissão, transmitindo de casa agora pela primeira vez, nunca fiz a transmissão de casa da peça da Martha Medeiros Tudo Que Eu Queria Te Dizer. Claro, que adaptada, porque meu palquinho aqui não é o tamanho de um palco comum, é bem pequeno. Então, a peça será adaptada, mas com tudo ali, todas as alminhas, as personagens. Eu tenho a preocupação de que esta transmissão chegue na sua casa com uma qualidade, uma preocupação que eu jamais imaginei, então até isso estou aprendendo. Eu acho que a gente está em movimento e acho que herdamos, vamos herdar, alguma coisa deste streaming pelo seu caráter inclusivo e democrático quando voltar o nosso público, se Deus quiser, não há de demorar tanto assim.
Miguel Arcanjo Prado – Ana, nestes 35 anos de carreira, quais personagens que fez e que guarda muito carinho na TV, cinema e teatro?
Ana Beatriz Nogueira – É difícil eu responder, eu guardo muito carinho por tantas personagens, desde aquela que me apresentou às pessoas profissionalmente que é a Vera do filme Vera, de Sérgio Toledo, que me deu tantas alegrias, tantos prêmios, inclusive o Urso de Prata [de Melhor Atriz no Festival de Berlim] até a última personagem que eu fiz no teatro, de Um Dia a Menos, que é a Margarida Flores, que a Clarice Lispector escreveu. Então, estou falando de cinema, passando por todas as novelas e teatro, claro que algumas personagens me deram mais alegrias, mas aprendi com todas, as que deram mais alegria, as que deram menos. É difícil enumerar, então, fui a duas pontas aqui, numa ponta de cinema, noutra ponta a última peça que eu fiz, e no meio do caminho 35 anos de labuta. Juro que é difícil eu escolher personagens!
Miguel Arcanjo Prado – Como tem sido seus dias nesta quarentena? O que já conseguiu superar?
Ana Beatriz Nogueira – Olha, a primeira coisa que eu tive que superar e consegui superar foi a apatia, a perplexidade, a apatia somada a perplexidade, porque foi um susto. Eu acho que fiquei neste ‘modo assustada’, desta maneira, durante quase dois meses. Depois, precisei sair disto e fazer algo, aí saí fazendo muitas coisas. Então, eu superei este estado de apatia absoluta, de tristeza, no início da pandemia. Eu digo início porque estou 5 meses na quarentena, agora saindo, pela primeira vez, apenas para ir até o teatro, entrar por trás, fazer a peça no palco e voltar para o meu carro. E isso é o que eu posso fazer agora, ainda os projetos que estou criando, que eu tenho criado, a me expor, dar a cara a tapa às novas experiências, começar a cobrar algo, ainda que sempre dirigindo parte, ou até tudo a algum lugar ou um grupo de pessoas que estejam precisando muito de ajuda. Eu prefiro fazer isso do que aquela apatia que eu estava, eu prefiro achar que isso é incomparável. A primeira coisa que eu tive que superar foi a minha perplexidade com o que estava acontecendo, o entendimento que foi aos poucos a tragédia que o mundo estava vivendo, que nós todos estávamos, da importância da quarentena. Que as pessoas ainda insistem em não entender, em não olhar para o lado. E a saída desta apatia e perplexidade. No mais, a gente está no gerúndio, eu venho superando, e cada dia um dia, Miguel. Eu vivo um dia de cada vez, sempre foi assim, antes da quarentena e permanecerá assim após a quarentena.
Miguel Arcanjo Prado – Como foi a escolha dessa peça, o que este texto mexeu em você?
Ana Beatriz Nogueira – Esta peça Tudo Que Eu Queria Te Dizer, lá atrás nos primórdios de tudo, porque é uma peça que eu estreei 11 anos atrás e fiquei anos sem fazer, voltei a fazer 4 ou 5 anos depois, depois de ter feito em todos os lugares, várias temporadas, então fiquei anos sem fazer… Fiquei ‘devendo’ fazer em São Paulo, então, anos depois voltei a São Paulo, parei novamente, e agora, anos depois, 4 a 5 anos depois, volto ao Rio, na quarentena e da minha casa. É sempre tudo novo, de novo. Lá nos primórdios, quem pensou em mim para esta peça foi a própria Martha Medeiros [autora], e eu acabei fazendo a produção, comprando a produção e levando a produção adiante. Mas muito me orgulha que ela tenha pensado em mim. E o que mais me pegou foi a possibilidade de fazer um exercício. Aí, já por conta da direção do Victor Garcia Peralta, para além do texto da Martha, que obviamente eu acho fantástico — achava e continuo achando a capacidade dela de se comunicar de A-Z, de não excluir ninguém, de ‘todos estarem convidados’ ali ao texto da Martha —, eu fico imaginando a Martha vivendo essas personagens. Porque como ela pode ter escrito essas cartas tão preciosas, tão precisas e tão diferentes em personalidade, neh!? Então, para além disso tudo, nesta escolha do Victor Garcia Peralta, meu diretor, em que nós fizéssemos um grande exercício, procurando dividir com o público que a gente precisa ‘estar com a personagem’, antes do cenário, antes da roupa chegar, antes das outras coisas aparecerem. Porque ele precisa estar ali. Ficamos com esse essencial que é não sair de cena, ficar com a mesma roupa, passar por estas mulheres todas. Este é um exercício que não tem fim. Por isso, voltar à esta peça (e você vai percebendo os momentos em que você volta), você volta ‘outra’, você volta mais madura, e você também volta em momentos que a vida está ali te mostrando naquele exato instante em que você vai fazer a peça, que tudo se transforma, tudo se modifica, e ainda neste momento da quarentena, é um imenso exercício.
Miguel Arcanjo Prado – Ana, que mensagem você gostaria de deixar para seu público?
Ana Beatriz Nogueira – A gente pode pensar em duas coisas, que mensagem, o que eu gostaria de passar para eles: acho que o fazer, o estar tentando alguma coisa é a mensagem em si, é a tentativa, o movimento, o não desistir é a mensagem em si. E tem a mensagem propriamente dita, a mensagem que aproveito eu aqui para fazer uma ‘propaganda’, Miguel, porque depois de 35 anos a gente aproveita para fazer a ‘propaganda’: Assistam à peça de casa, passem junto comigo por esta experiência, porque eu tenho certeza que mesmo de longe eu ouvirei os aplausos, porque imaginação eu tenho, e eu acredito que a peça é boa. Ainda que vista de uma maneira diferente, existe teatro, existe a peça, e que todos os sábados de agosto às 18hs eu tenha muita companhia. Um beijo, Miguel!
Colaboraram Hugo Carvalho e Stella Stephany (JS Pontes Comunicação).
Fonte: Blog do Arcanjo