“É loucura, não vai dar certo”, ouvi muita gente dizer – dentre tantas outras vezes em minha vida – quando decidimos reservar as vagas na recepção da SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco a transexuais e travestis.
Esse foi o primeiro passo em nossa perseverante – e que dura até hoje – batalha por algo que eu, particularmente, gosto de chamar de acessibilidade. Sim, acessibilidade. Daqui a pouco explico o porquê.
Daquele início até agora, nos dedicamos a uma infinidade de outras iniciativas voltadas à acessibilidade. A começar pelas adaptações em nosso espaço físico, como banheiros acessíveis, rampa de acesso e elevador. Foi a adoção desse tipo de política que possibilitou que tivéssemos conosco, por dois anos, Gerson de Souza, um aprendiz cego, que concluiu, em 2012, os quatro módulos do curso de Sonoplastia. E hoje, temos a honra de abrigar a atriz Maria Alice Vergueiro em uma residência artística. E, em nosso quadro de colaboradores, contamos com o diretor e dramaturgo Maurício Paroni de Castro. Ou seja, as cadeiras de rodas não representam qualquer problema para nós.
Nossa preocupação não poderia ficar limitada às paredes da Escola. E, como compartilhar conhecimento é uma das principais vocações da Instituição, passamos, cada vez mais, a firmar parcerias e oferecer ao público informações relevantes sobre a área.
Em agosto, graças a uma parceria nossa com o Governo do Estado de São Paulo, o MAM-SP (Museu de Arte Moderna de São Paulo), o British Council, via plataforma Transform, o Sesc-SP e a Apaa (Associação Paulista dos Amigos da Arte), promovemos o seminário “Arte sem limites”, no MAM. O evento contou com a participação de membros da Shape Arts, organização empenhada em fazer pessoas com deficiência participarem plenamente no setor cultural das artes.
Marcos Abranches, coreógrafo e bailarino que em julho ministrou o workshop “Despertar do corpo no espaço”, aqui na Escola, também era um dos palestrantes.
Também em agosto, três cursos incríveis iniciaram suas atividades por aqui. Promovidos por nosso setor de Extensão Cultural, “Dança sem Fronteiras”, “Interpretação de Espetáculos em LIBRAS” e “Introdução à Audiodescrição para Teatro” mobilizaram participantes, com ou sem deficiência, mas, acima de tudo, interessados em travar contatos com o outro, aceitando e desejando a diversidade.
Como prova de que trabalhamos com os melhores profissionais da área, vejamos à Mostra + sentidos, realizada recentemente no Teatro Sérgio Cardoso. Lá estavam alguns dos envolvidos nesses cursos: Marcos Abranches, Fernanda Amaral com o projeto Dança sem fronteiras, e Lívia Motta (orientadora de “Introdução à audiodescrição para teatro”), que participou de um bate-papo.
Nesse meio-tempo entre cursos, parcerias e tudo mais, os dias dos colaboradores da Escola passaram a ser mais agradáveis, graças às massagens feitas semanalmente por um grupo de deficientes visuais, uma iniciativa de nosso Programa Kairós (o departamento que trata de oportunidades, tanto para aprendizes quanto para profissionais da Escola).
Depois de falar sobre tanta coisa que andou acontecendo por aqui, volto agora ao meu ponto inicial: o nosso conceito de acessibilidade, que adotamos com muito orgulho na Instituição.
Primeiramente, preciso deixar bem claro que não acredito em políticas de inclusão. Por isso, prefiro sempre pensar que a palavra “acessibilidade” é a que melhor define o que estas políticas querem fazer. Isto porque eu não gosto de pensar, por exemplo, que deficientes ou nordestinos ou negros ou índios ou homossexuais precisam ser incluídos. Repudio essa ideia.
Grupos como esses precisam – e urgentemente – de acessibilidade.
Acessibilidade, sim, pode ser, para um deficiente físico, por exemplo, infraestrutura urbana: ruas e transporte público acessíveis. Então podemos pensar, dessa maneira, na acessibilidade educacional para o povo indígena. Isto não é, de forma alguma, inclusão, mas sim um trabalho que daria prioridade à preservação de suas culturas, criando acessos, inclusive, para que eles a preservem.
Resumindo: acessibilidade, para mim, é criar mecanismos de acesso que assegurem, primeiramente, a preservação de identidades e gêneros, sejam eles quais forem.
Espalhar o respeito às diferenças não é uma missão fácil, mas estamos caminhando rapidamente e obtendo um retorno incrível. É cada vez mais nítido e indiscutível: a acessibilidade está no DNA da SP Escola de Teatro.